Cultura

Será o fim da hegemonia cultural dos EUA entre o público jovem?

Consumo de conteúdos culturais por parte dos jovens ainda é dominado por produções norte-americanas, mas conteúdos de outros países têm ganhado destaque

 

Desde o final de Segunda Guerra, a cultura mundial é dominada pelos Estados Unidos com a potência do cinema de Hollywood, por exemplo, de movimentos musicais como blues, jazz e de grandes espetáculos teatrais e movimentos culturais que moldaram a cultura do Século 20. Até hoje, pode-se afirmar que a produção cultural mais consumida ao redor do mundo é majoritariamente, mas, de alguns anos para cá, essa situação parece estar mudando. Conteúdos como músicas, desenhos animados, filmes, entre outros, de diferentes países e com diferentes tipos de representatividade têm ganhado mais espaço, principalmente entre o público jovem, através da visibilidade garantida oferecida pelas redes sociais..

Hegemonia Norte Americana

Para a jornalista Débora Nascimento, repórter especial da revista Continente e colunista do site, o que mais pesa para a hegemonia cultural americana é a questão financeira. “Houve um momento em que o Reino Unido trouxe uma leva de artistas de música que renovaram a cara da música popular e do mercado a partir dos anos 1960 e 1970 e nos anos seguintes também. Ou seja, a maior parte das melhores bandas do rock e do pop não vieram dos Estados Unidos. Mas na lista dos dez artistas que mais ganharam dinheiro em 2019 há oito norte-americanos, ‪Taylor Swift‬, ‪Kanye West‬, Eagles, ‪Beyoncé‬, ‪Jay-Z‬, Drake, P Diddy, ‪Metallica‬. Então, podemos supor que o mercado ainda é dominado por eles no sentido do lucro comercial.”, afirmou.

No contexto do audiovisual, a também jornalista Angela Valpôrto alerta que a indústria cinematográfica americana está começando a perder o protagonismo norte americano, mas os passos são lentos. Ela aponta a questão dos cinemas que, em grande maioria, sempre dão mais espaços aos grandes “blockbusters” de Hollywood. “A cultura estadunidense já ocupou um destaque maior mas ela é ainda a mais disseminada”, disse.

Representatividade

Quem sempre consumiu e deu mais espaço à cultura americana mas estão mais , abertos e se conectando com diferentes tipos de conteúdo são os jovens, principalmente os adolescentes que sempre procuram em produtos culturais algo que os “aconchegue”, algo que os faça se sentir representados e promova um sentimento de pertencimento. “Os jovens sempre tiveram muita dificuldade de se verem representadas na mídia mainstream porque tudo sempre foi muito pautado no que dava audiência no que era padrão”, conta Angela.

Antes, de acordo com Débora Nascimento, artistas famosos que eram bastante queridos pelos mais novos não conseguiam se expressar. Existia todo um “tabu” para isso. Hoje, questões como a orientação sexual são abordadas com mais facilidade. Diferentes etnias, raças sendo mostradas nos conteúdos culturais são aceitas, como se os jovens necessitasse desse tipo de conteúdo para melhor se compreenderem.

“Artistas LGBTQIA+, negros, latinos têm conquistado mais espaço para divulgar seus trabalhos e para encontrar seus públicos. A divulgação dessas temáticas antes acontecia de uma maneira mais velada e discreta. Poucos artistas exploravam temas Queer e raciais, tanto em seus trabalhos quanto em suas falas. Nem mesmo artistas abertamente gays, como Freddie Mercury ou ‪Bob Mould‬, explicitaram sua sexualidade nas letras de suas músicas. Atualmente, isso é feito de forma mais aberta e maciçamente. Esse novo cenário tem a ver também com a propagação maior de uma ideia de liberdade para expressar comportamentos, desejos, visões de mundo, origens. E também, claro, pelo fato de os veículos constatarem que há um feedback mais positivo do que negativo do público.” relatou.

O fenômeno da internet

A internet é o principal motivo dos Estados Unidos estarem perdendo o total protagonismo na cultura. Pesquisa realizada pelo network de firmas independentes, PwC, que analisou o comportamento de jovens entre oito e dezoito anos, quanto mais vão crescendo crescem e se tornam adolescentes, eles consomem mais formas de entretenimento. Segundo a pesquisa, a média de consumo desse público é de quinze horas semanais e a facilidade com que conteúdos diversos podem ser consumidos na rede é inegavelmente uma grande razão.

“O acesso facilitado a esses produtos é fundamental para que isso ocorra. Algumas décadas atrás, havia uma grande dificuldade para se ter contato com a cultura de outros países. Antes da internet, era necessário viajar para poder adquirir esses produtos ou importá-los a um valor exorbitante ou ainda encontrar uma loja muito especializada com um ótimo acervo. Então, a internet é o ponto-chave para criar esse cenário mais diverso.” explica Débora.

Outra questão é a facilidade com que qualquer pessoa pode se mostrar online. Isso acaba gerando um certo tipo de interação e troca muito grande entre os jovens. “Com a internet surgiu essa oportunidade onde todos podem subir conteúdo em forma de música, vídeo, foto, texto para livre acesso. Grupos minoritários que nunca se viram representados nos lugares, tiveram a oportunidade de criar esses espaços e dialogar com pessoas que fazem parte daquele mesmo grupo. Assim acabaram surgindo essas comunidades de pessoas que têm muito em comum, que não se viam representadas pela mídia e que tem muito o que falar.” destaca Ângela.

Serviços de streaming

Alguns streamings de músicas e filmes são grandes facilitadores também de conteúdos de diferentes origens. É bastante simples. Basta pegar o celular ou aparelho eletrônico e acessar esses serviço, onde e lá existe um mundo de possibilidades. Ainda de acordo com o estudo realizado pela PwC realizado entre maio e junho de 2015, com 511 pessoas entre oito e 18 anos. Na na maior parte do tempo, o público mais jovem assiste séries e realities show na TV fechada. A Netflix é um dos streamings favoritos e a televisão o aparelho preferido.

“O spotify ajuda nessa disseminação de músicas diferentes de outros países, pelo fato que não é preciso um grande investimento financeiro, pessoas podem colocar seus trabalhos lá sem gastar nada. Já a Netflix, é um caso muito interessante, como o catálogo tem muitos filmes, séries de outros países algumas pessoas começam a enxergar esse conteúdo”, diz Débora. Apesar da grande facilidade, ela aponta que o maior impulso desses serviços são para conteúdos produzidos pelos Estados Unidos. “Mas o acesso a produtos de outros países hoje é maior. Porém a maioria das músicas mais ouvidas ainda são em língua inglesa, e os artistas que mais vendem são norte-americanos. A maioria do acervo disponível (e mais popularizado) na Netflix é também norte-americano. Os algoritmos de recomendação dessas plataformas ainda têm uma forte tendência a promover produtos culturais em língua inglesa.” disse.

Pontos negativos

Segundo a colunista da revista Continente, apesar dos jovens estarem mais abertos a outros tipos de produções culturais, existem características que não são tão positivas. “Existe um comportamento de manada do consumo de cultura. Há uma tendência em se interessar por aquilo que está gerando compartilhamento e engajamento nas redes sociais durante um curto espaço de tempo. Os produtos culturais têm pouco tempo de apreciação e rapidamente são esquecidos. E sem contar que plataformas como YouTube, Netflix, Spotify criam bolhas para seus consumidores. Então, apenas uma quantidade ínfima do conteúdo e com perfil semelhante é o que acaba sendo ofertado ao usuário.”, explica.

Fenômeno

Algumas produções que ganham cada vez mais espaço no coração dos adolescentes são europeus, africanos, indianos, hispânicos, mas um conteúdo que merece destaque é o asiático. O fenômeno do Kpop, da Coreia, é um exemplo. O ritmo domina as redes sociais e tem uma grande influência na geração Z. Esse fenômeno mundial teve, para alcançar o sucesso, mais uma vez a ajuda da internet, e também de investimentos financeiros.

“Eles cresceram muito por causa da internet, bombaram nas redes sociais com desafios de coreografias e com suas músicas. Os ídolos dessas bandas sempre foram muito produzidos para terem esse apelo com as pessoa mais jovens. Então sempre o sucesso está atrelado ao investimento, se existe dinheiro para investir para que esses produtos culturais consigam atingir audiências no mundo todo, ele vai chegar longe. Esse é o motivo pelo qual passamos muitos anos com a hegemonia econômica dos Estados Unidos, eles tinham mais dinheiro.” relata Angela.

“No caso específico do Kpop, é bom lembrar que seu sucesso se deve, em grande parte, a ações de incentivo da divulgação da cultura sul-coreana pelo governo federal.” acrescenta Débora. Outro exemplo de grande sucesso no mundo são os animes e mangás derivados do Japão. “O mangá/anime é um fenômeno mundial, de uma linguagem própria, que cativa leitores e espectadores pela vastidão da produção.” conclui.

Confira alguns exemplos de conteúdo que vêm fazendo sucesso com a geração Z:

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Eduarda

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Sobre O Berro

Berro é a revista dos alunos do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Tem uma edição semestral, vinculada à disciplina de Redação Multimídia.

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