Por Vittoria Fialho
Quantas vezes você já parou o que estava fazendo hoje para checar o celular? E as redes sociais? Está no celular nesse momento? Quando você acorda pela manhã e abre os olhos, qual é a primeira ação do seu dia? Conectar-se ao mundo virtual através da tela do celular foi a resposta de 70% dos jovens entre 15 e 20 anos, segundo a pesquisa Phone Life Balance, realizada pela empresa norte-americana Motorola em março deste ano. O estudo aproxima duas noções que há muito tempo caminham juntas: o frequente uso das redes sociais e a saúde mental.
A facilidade de acessar o mundo em poucos cliques torna a possibilidade de conexão contínua tentadora. A estudante de pedagogia Kamila Oliveira, de 19 anos, confessa lembrar com dificuldade de quando pouco fazia uso das redes sociais. “Sei que comecei cedo quando percebo que passei por todas as redes sociais. Já aos 8 anos eu tinha uma rotina com o Orkut e isso só se intensificou, até hoje, com Twitter e Instagram, principalmente. Se eu não me policio, passo horas”, comentou.
A jovem também comparou como o impacto das redes foi psicológica e emocionalmente sentidos. “Frequento a psicóloga há três anos e foi muito interessante descobrir que muitas das minhas queixas, que inicialmente não fazia qualquer ligação, têm relação com o intenso contato que tenho com as redes
sociais. Pude entender que boa parte das minhas inseguranças tem como ponto de partida a internet”, complementou.
Do outro lado, a psicóloga Flávia Maciel reforça a fala de Kamila, pontuando que, apesar de entender os encontros com os pacientes como únicos, quando se trata de jovens entre 15 e 23 anos percebe pontos específicos em comum. “A relação com as redes é tão intensa que eles não enxergam como algo à parte. É como nascer imerso nessa engrenagem que é a internet, e aquilo ser parte de você. Mas os gatilhos não são só positivos, principalmente quando é estabelecida uma relação de dependência. Isso é perigoso”, disse.
Flávia citou uma pesquisa realizada pela revista americana The Atlantic, na qual foi discutido que o uso exagerado de internet e redes sociais pode ter relação direta com o aumento exponencial de ansiedade e depressão, para comentar que é comum receber jovens com discursos sobre sintomas relacionados a distúrbios como a ansiedade, mas que eles demoram a entender a origem.
O estudo citado pela profissional foi utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para debater a forma como funcionalidades e finalidades de aplicativos como o WhatsApp, por exemplo, atrai uma utilização mais frequente. A facilidade do acesso é, também, chave para a intensa relação. A troca de mensagens rápidas através da rede possibilita uma comunicação instantânea, característica forte entre os jovens.
Ainda sobre a imersão provocada pelo consumo contínuo das redes, Flávia aponta que, ainda que haja a percepção dos malefícios por parte dos jovens, é recorrente ouvir frases como “sei que não deveria, mas não consigo evitar”. No entanto, a psicóloga relata que, apesar de soar – e, de fato, ser preocupante -, o entendimento da gravidade não é facilmente absorvido pelos jovens, além de muitas vezes ser assimilado como um diagnóstico final, quando muitos desconsideram a continuidade no tratamento.
“O endeusamento da conexão”
Beatriz Gallindo, 23, é estudante de jornalismo e, desde os 13 anos, quando já havia escolhido o caminho a trilhar na universidade, comenta escutar a importância de se manter informada, muita vezes apoiada em um “a todo custo”, mas que descobriu da “pior forma” a relevância de se organizar até mesmo para consumir informações. “A produção de notícias é algo muito intenso, e muitas vezes a gente, que estuda e trabalha na área, endeusa uma conexão que nem sempre é saudável, apesar de importante. É preciso filtrar essa necessidade”, pontuou.
A jovem sublinhou, ainda, a urgência do consumo de informações em meio à pandemia do novo coronavírus, situação que “potencializa”, de acordo com Beatriz, uma ansiedade que ainda não foi desvendada pela estudante. “Tem sido complicado. Continuei trabalhando, ou seja, ler e pesquisar sobre o que acontece no país está na minha rotina, e não como uma escolha. As notícias me impressionam,
principalmente em meio à pandemia, porque escrevo sobre situações que já aconteceram com familiares. Lidar com tudo isso em um momento de isolamento social é bastante duro pro psicológico”, relatou.
A psicóloga Thaís Leão, que manteve o atendimento online durante a pandemia, comentou, em linhas gerais, as diferenças percebidas durante o processo, novidade para as duas partes da ‘relação’. “Costumo dizer que nós, que trabalhamos diretamente com pessoas, ganhamos muito no olho no olho. É um trabalho que requer conquistar a confiança. Mas considero o resultado positivo. Foi muito frequente escutar sobre ‘estar perdido’ dentro de casa. E essa sensação sempre acompanhava falas relacionando-a com sintomas de ansiedade e/ou depressivos, principalmente no início da isolamento”, disse.
De acordo com estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e publicado pela revista The Lancet, os casos de depressão aumentaram 90% e o número de pessoas que relataram sintomas como crise de ansiedade e estresse agudo mais que dobrou entre os meses de março e abril deste ano. A mudança brusca de rotina que a pandemia causou na vida das pessoas uma necessidade de readaptação que não foi absorvida por todos da mesma forma, intensificando problemas de teor psicológico e emocional.
“Um caminho necessário de decifrar”
Luana Maria, 25 anos, recém formada em Educação Física pela Universidade de Pernambuco (UPE), estava há dois meses ministrando aulas de atividades funcionais na praia de Piedade, no município de Jaboatão dos Guararapes, quando a pandemia a impossibilitou de continuar. A professora revelou que a persistência de voltar a trabalhar teve como principal motivo, para além do financeiro, o lado mental. Após intensos cinco anos enfrentando crises de pânico e com dificuldades de sair de casa, Luana decidiu unir a praia, um ambiente que serviu em importantes momentos da vida como “um local de reencontro com a paz”, à profissão que escolheu.
“O impacto foi imediato. Estava começando a sair de casa sozinha depois de anos e podendo fazer algo que amo. Durante os cinco anos que enfrentei diariamente todos aqueles sintomas, que coincidiu com a graduação, me vi muito dependente das redes sociais. Parecia um ciclo sem fim, uma grande bola de neve. Quando finalmente me vi distante dessa dependência, tive que me reinventar”, revelou.
Luana comentou a tentativa de passar um período sem utilizar o aparelho celular, que ela definiu como ‘um caminho necessário de decifrar’. “Na mesma época que vivia na base de remédios foi também um momento de muita retidão, tendo as redes sociais como principal portal de comunicação. Era através de postagens que tentava demonstrar que estava bem, também para mim mesma. Isso por muito tempo
parecia amenizar, e talvez até ajudou, mas o saldo negativo foi imenso. A cada dia tenho mais certeza”, relatou.
A educadora ainda expôs a tentativa, por conta própria, de passar um período sem utilizar as redes sociais. Ela revelou que ‘a gota d’água’ foi quando precisou passar uma semana sem o celular, único meio que tinha para acessar a internet, e percebeu mudanças bruscas de humor. Luana comentou ter sido “invadida pela sensação de não ter o que fazer”, com reações que preocuparam até mesmo seu irmão mais novo, que passou seis meses em sua casa.
Durante “a maior batalha” que enfrentou, Luana realizou todo o tratamento através do atendimento psicológico gratuito, pelo Núcleo de Telessaúde (Nutes) da UFPE. O fato de ser à distância, de acordo com a professora, a ajudou no seguimento das consultas, já que em meio aos diários sintomas enfrentou a resistência a sair de casa.
“Essa acessibilidade foi importante demais. Mas perceber essa dependência é muito duro. Muitas vezes alguém observa, comenta, e a gente não tem a percepção. No meu caso, que sempre fui muito só, entender isso depois de tanto tempo foi complicado. Mas sei o quanto foi necessário aquele momento”, finalizou.
Reprodução do real na ficção
A complexidade e a fragilidade da mente são ingredientes comumente adicionados a um drama. No entanto, muito além da representação, a utilização de temas como ansiedade e depressão – levando em conta, também, as características atribuídas aos personagens – fomentam o imaginário, contemplando “achismos” e ideias desconectas à realidade desses transtornos. Além de, devido a retratos irreais,
perpetuar estigmas acerca do profissional de saúde mental, bem como do paciente.
A plataforma de streaming Netflix produziu, em março de 2017, o seriado norte americano 13 Reasons Why (Os 13 porquês), no qual Hannah Baker, protagonista que comete suicídio, deixa 13 fitas detalhando os motivos pelos quais tirou sua vida. Após a estreia, a repercussão foi alvo de pesquisas, na tentativa de medir o impacto da série para o público, principalmente nos jovens que se viram na personagem construída.
Um estudo feito por pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre analisou respostas de 21.062 adolescentes, entre 12 e 19 anos, para entender até que ponto a série pode ter influenciado o pensamento e o comportamento dos consultados.
Como resultados, entre os adolescentes sem sintomas de depressão ou pensamentos suicidas antes de ver a série, 4,7% responderam ter passado a pensar mais em tirar a própria vida, um número considerado “preocupante” pelos autores do estudo. Naqueles mais vulneráveis – sofrendo com depressão e tendo cogitado o suicídio anteriormente – o aumento foi ainda mais expressivo: 21,6%
tiveram mais ideação suicida após 13 Reasons Why. Por outro lado, nesse mesmo grupo, 49,5% disseram ter passado a conviver com menos pensamentos suicidas após ver a série.
Em uma outra perspectiva, no entanto, um estudo baseado no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) mostrou que a representação de transtornos mentais na maior parte dos filmes é bastante real. Ainda de acordo com a pesquisa, o fato dos sintomas aparecerem no contexto de
vida dos personagens, não apenas num único encontro clínico, contribui para uma melhor representação.
Dessa forma, tendo em vista a pluralidade de análises a respeito do retrato feito de distúrbios e doenças ligadas ao mental e psicológico, duas principais projeções são determinantes para a forma que a história chegará ao público: a construção do personagem e a forma que ele lida com os sintomas. Logo, os olhos atentos quanto à forma que a figura será caracterizada é determinante, principalmente no que diz respeito à responsabilidade de tratar temas sensíveis e sérios no audiovisual.
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