Por: Lívia Baroni e Lorena Aguiar
Nem só de glamour vive a moda e aqui você confere as principais problemáticas desse universo e o que pode fazer (agora mesmo!) para mudar a situação
Com certeza você conhece a cena icônica do filme As Patricinhas de Beverly Hills em que Cher, em meio a várias pilhas de roupas, diz que não tem nada para vestir, né? E pode confessar que você já fez o mesmo! Mas basta olhar novamente e certamente vai encontrar mais peças do que normalmente usa ou precisa e o esforço e a exploração da indústria para produzir tanta roupa são um problema para o mundo e, em pleno 2020, não podemos mais fingir que ele simplesmente não existe.
Apesar de nova, Lelê Santhana (19 anos), não se lembra de uma época em que não gostava de moda. Atualmente, é colaboradora da revista Elle Brasil e há pouco mais de um ano criou o perfil @portaldasmodas no Instagram, que já tem 59,6 mil seguidores. “Historicamente, se a gente analisar, percebe que a indústria da moda sempre teve muitos problemas, se envolveu em muitos escândalos e a situação vem desde lá de trás, de estruturas que já estão acostumadas a funcionar de determinadas formas. Só que hoje em dia a gente tem uma consciência maior pra identificar isso e realmente saber que precisa mudar”.
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Para entendermos de onde vem essas estruturas sobre as quais Lelê fala, precisamos voltar um pouco no tempo…
A partir da década de 70, a intensificação da globalização e da terceirização para países em desenvolvimento do processo de produção impactou o modo de produção dos diversos tipos de indústria, inclusive a têxtil. Grandes empresas migraram suas fábricas para países do Oriente Médio, normalmente mais pobres, onde a mão de obra é mais barata devido às leis mais brandas e falta de fiscalização, como é o caso da China e do Sudeste Asiático. Segundo o documentário The True Cost, atualmente apenas 3% das roupas vendidas nos Estados Unidos são fabricadas no país, enquanto que nos anos 60 o percentual era de 95%. Durante a década de 80 e os anos seguintes, esse tipo de prática se intensificou e passou a valer de regra para várias das nossas marcas queridinhas. Em outras palavras, muitas delas enriquecem porque possuem um baixo custo de produção – devido à mão de obra barata -, estão sempre produzindo novas coleções, vendendo os produtos em grande quantidade e naquele precinho que a gente gosta (alô black friday!). Para você ter noção, a indústria da moda gera cerca de US$ 2,5 trilhões anualmente, segundo o FFW, site brasileiro especializado em moda. O professor de moda e jornalista Dario Brito diz que “[A indústria da moda] tem vários problemas. É um dos maiores setores produtivos, pegando Ásia, Europa, o mundo inteiro. Então obviamente os problemas são do tamanho do setor”.
Infelizmente, a nossa tão amada moda ocupa posições que não gostaríamos. No ranking de exploração do trabalho, por exemplo, fica em segundo lugar, atrás apenas do setor de tecnologia, de acordo com a pesquisa The Global Slavery Index 2018, da fundação Walk Free. Isso significa que muitos funcionários trabalham mais horas do que o permitido por lei, recebem salários muito baixos e, portanto, injustos e, na maioria das vezes, o ambiente está em condições precárias. Revoltante né? “Isso acontece basicamente na China e no Sudeste Asiático mas, isso não quer dizer que o problema está setorizado lá apenas. Os consumidores europeus são surpreendidos muitas vezes por bilhetes nas roupas de trabalhadores pedindo socorro, então isso é uma questão muito séria”, explica Dario. Aqui na América do Sul, a gente tem situações muito próximas de denúncias contra diversas lojas que submetem seus trabalhadores a condições análogas à escravidão. É só dar um Google que você vai ver! Mas deixa a gente te adiantar: uma das que mais se destaca é a Zara.
Assim, não é de se espantar que esse modelo de exploração já tenha causado inúmeras catástrofes no mundo. A gente separou aqui algumas das mais graves. Vem conferir.
Percebeu que muitas dessas tragédias aconteceram em Bangladesh? Isso não é coincidência e ocorre exatamente por conta do baixo custo de produção que já explicamos. Desse modo, as grandes marcas podem vender as peças pelos preços muito baixos que a gente vê nas lojas e, ainda assim, lucram bastante. Aqui no Brasil, com toda a carga tributária, a gente não vê preços tão baixos, mas marcas como Zara e H&M, por exemplo, chegam a vender peças em grandes promoções por valores como 1 dólar ou 1 euro, a depender se a loja é nos EUA ou na Europa, e – com isso – conseguem lucrar. Como é possível?
Dario destaca outro fator que tem tudo a ver com o modo de consumo de roupas mais popular hoje em dia: o fast fashion ou moda rápida. “A durabilidade dos bens produzidos na moda é muito curta”, explica. Se você, assim como a gente, não perde uma notícia do mundo da moda, deve ter percebido que, nos últimos anos, ao invés de as marcas lançarem duas coleções por ano (primavera/verão e outono/inverno), agora, em média a cada duas semanas, chegam produtos novos para o consumidor. Você já teve aquela sensação da sua roupa novinha já estar com cara de velha? Foi tudo planejado… A ideia do fast fashion é justamente aumentar a produção e reduzir a qualidade para que a peça dure menos e a gente sinta necessidade de comprar mais. Segundo o Comitê da Cadeia Produtiva da Indústria Têxtil, Confecção e Vestuário da Fiesp (Comtextil), foram vendidas mais de (pasmem!) 6 bilhões de peças de vestuário somente em 2017, o que significa uma média de 30 peças para cada brasileiro.
Last but not least…
O último dos principais problemas desencadeado pela indústria da moda é que esse ciclo de descarte provocado intencionalmente pelas marcas afeta de forma negativa a natureza. De acordo com o Greenpeace, 80 bilhões de peças de roupa são produzidas em todo o mundo e três de cada quatro são incineradas ou vão parar em aterros sanitários, sendo apenas um quarto reciclado.
Os documentários The True Cost e Riverblue abrem nossos olhos para os impactos da indústria da moda no meio ambiente e, especialmente, esse modo de consumo baseado no fast fashion. E não vale negar responsabilidade, porque estamos te contando tudo. Em 2018, as pesquisas do tema “moda sustentável” cresceram 66%, segundo o site Lyst, especializado em consumo online.
Para tentar combater esse modelo imposto pelo fast fashion, em 2004, surgiu o termo Slow Fashion, referindo-se a um novo estilo de moda, mais sustentável e com consciência de seus impactos no mundo. A Fundação Ellen Macarthur, instituição britânica formada em 2010 com o objetivo de incentivar a economia circular, revelou no relatório “Uma nova economia têxtil” que a indústria da moda consome anualmente cerca de 98 milhões de toneladas, de recursos não-renováveis, como o petróleo e fertilizantes inorgânicos, o que equivale ao peso de 12.250 milhões de elefantes africanos. Ainda segundo a pesquisa, a indústria têxtil é a maior consumidora de água do mundo, usando 93 trilhões de litros de água por ano, o suficiente para encher 37.2 milhões de piscinas olímpicas. Devido a números assustadores como esses, o Slow Fashion continua firme e forte com o intuito de minimizar os impactos da moda no meio ambiente.
A situação é muito séria, mas nem tudo está perdido.
E, nesse caso, o poder está também nas nossas mãos, os consumidores da geração Z. Sim, você mesmo! “O movimento maior e que pode forçar os mercados é justamente o que vem do consumo. De que maneira? Não consumindo mais roupas, insumos e produtos de moda que vêm de indústrias que notadamente trabalham com todo tipo de exploração. Se o consumidor for consciente a esse ponto de boicotar aí, sim, acho que as condições mudam”, comenta Dario. “Nós, como consumidores, devemos ter cuidado e responsabilidade na hora de consumir, de cobrar, de prestigiar, de saber quem a gente tá comprando, apoiando e quem a gente não deve apoiar”, reforça Lelê.
Mas não esquece também de contar tudo isso pras suas primas, irmãs mais velhas, pais, tios e avós, tá bom? Afinal, como disse Lelê: “Ninguém faz transformações sozinho, porque vivemos em uma sociedade e não existe só a Geração Z no mundo. Existem também as gerações anteriores. Assim como a gente tem o que ensinar, a gente também tem muito o que aprender e a grande chave é esse entendimento do respeito pela fala um do outro e do lugar de protagonismo que cada um deve ter”.
“É muito difícil a gente simplesmente esperar sentado que as marcas, do dia para noite, virem a chavinha na cabeça delas e se transformem em empresas superconscientes e socialmente adequadas. Isso não vai acontecer, então ações têm que ser tomadas por nós.” – Lelê Santhana
Uma das alternativas aliadas do Slow Fashion são os brechós. Se antigamente eles eram vistos como lugares que vendiam peças sem qualidade, itens duvidosos com aspecto de velharia, hoje a imagem dessas lojas não é mais a mesma. Na verdade, os brechós são a sensação com os Cool kids. “As pessoas estão mais conscientes a respeito da sustentabilidade, além da questão da economia. No brechó você adquire uma peça de qualidade por um preço acessível, além de ajudar na questão socioambiental, pois colabora com a diminuição de fatores prejudiciais ao ambiente produzidos pela indústria”, afirma Aline Melo de Souza, dona do brechó online no Instagram @desapego.por.ninguem.
O consumo circular, isto é, aquela velha história de “eu não quero mais, talvez outras pessoas queiram”, já estava crescendo nos últimos anos e, com a chegada da pandemia, ganhou ainda mais destaque. “As pessoas passaram um longo período dentro de casa e começaram a repensar no estilo de vida que estavam levando”, relata Maria Monteiro, dona da loja Ourela, uma loja que possui um viés sustentável.
Aline Melo de Souza reforça a ideia que é importante incentivar a prática do consumo consciente e mostrar para as pessoas que é possível se vestir bem e ajudar na sustentabilidade. O aumento de vendas em mercado de segunda mão não é apenas uma mera impressão de Aline. Segundo o 2020 Resale Report, devido à pandemia, as vendas do varejo devem diminuir cerca de 23%, enquanto que o mercado de segunda mão deve crescer 27%. A ThredUp, em 2019, também fez uma projeção desse mercado e, segundo os dados, possivelmente ele deve atingir US$ 64 bilhões nos próximos nove anos.
A pesquisa ainda aponta que a Geração Z é o grupo que está adotando mais rapidamente esse modelo de consumo, afinal, nunca é tarde para correr atrás do prejuízo, né? Por conta desses números, marcas como a Gucci e a Levi’s anunciaram suas entradas nesse mercado. A Gucci, com uma uma parceria com o site americano The Real, e a Levi’s, a queridinha dos jeans, com plataforma própria, a Levi’s Secondhand.
Já deu para perceber que o mercado de segunda mão está vindo com tudo, né? A estudante de medicina Isabel Tomé, 21 anos, comenta os motivos que a fizeram adquirir novos hábitos. “Parei de consumir lojas com o modelo do fast fashion depois que soube o quão nocivo era. Normalmente lojas sustentáveis são caras, então as de segunda mão vieram como alternativa”. Assim como ela, Júlia Lemos, 20 anos, também compra em brechós, mas seus motivos são outros. “No final de 2016, comecei a assistir os vídeos de Conan Gray, na época ele era youtuber de brechó, e fiquei muito apaixonada pelas vestimentas que Conan comprava, e sabia que não ia achar nunca essas roupas numa loja normal”. Atualmente ela tem até um canal no youtube, para compartilhar vídeos com dicas para conseguir achados legais em brechós.
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Brechós são ótimos, mas não para todos os corpos
Mesmo Júlia sendo fã de brechós, ela sabe que nem tudo são flores e comenta que falta diversidade nessas lojas porque, como são roupas mais velhas, as marcas não tinham consciência da importância de ter peças para todo tipo de corpo, então modelos plus size são mais difíceis de se achar. Essa questão é de extrema importância, pois mostra que esse mercado ainda não é viável para todos os públicos e, como diz o ditado, quem cala consente, então todos precisam demandar mudanças.
“Acho que 2020 não é mais tempo de a gente fingir que é completamente passivo em relação às nossas escolhas.” – Júlia Lemos
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Mas não é só de brechó que vive o jovem, não é mesmo? A loja Ourela adotou outro modelo de negócio, sustentável do jeitinho que a gente gosta. Na loja física, localizada na Rua do Chacon, no Poço da Panela, é possível tanto comprar, quanto alugar roupas. A dona da empresa, Marina Monteiro, explica que o aluguel de roupas funciona através de um cadastro na loja e é possível alugá-las por até um mês. O formato é muito benéfico para aquelas pessoas que enjoam rápido das roupas. Com isso, o consumo desenfreado não afeta tanto o nosso planeta.
A moda é uma potência econômica, cultural, artística e até política, marcando presença todo dia nas nossas vidas, desde o uniforme da escola até aquele lookinho todo trabalhado que a gente usa numa festa (ou pensa em usar pós pandemia). Mas vale lembrar que é importante levar em consideração os recursos disponíveis para gastar com roupas e procurar uma opção que caiba no bolso, hein? A melhor dica de Júlia para achar peças incríveis é ficar de olho no seu bairro, porque sempre tem aquela vizinha que não quer mais algumas roupas e coloca à venda num precinho ótimo. Já se você quer investir um pouco mais, a gente separou aqui uma listinha de marcas que estão arrasando e você pode comprar de consciência limpa. Vem ver!
– Insecta Shoes: É uma loja de sapatos muito conhecida pelas suas estampas, que reutiliza tecidos e recicla garrafas pet, algodão e borracha para fabricar os calçados.
Fotos tiradas da internet
– Osklen: É uma das primeiras marcas que surgiu no Brasil com esse pensamento mais sustentável. Foi criada por Oskar Metsavaht em 1998, quando começaram a desenvolver as primeiras t-shirts de algodão orgânico. Na sua produção, atualmente ainda utilizam o couro de pirarucu e garrafas pet.
Fotos tiradas da internet
– Ginger: A mais nova marca sustentável do mercado, foi fundada por Marina Ruy Barbosa e Vanessa Ribeiro em julho de 2020 e traz peças no melhor estilo comfy wear, todas em moletom e super versáteis.
Fotos tiradas da internet
– Pantys: A marca vende linhas de calcinhas, sutiãs, biquinis e maiôs absorventes reutilizáveis. Ela vem com o objetivo de conscientizar as mulheres sobre os danos que o absorvente causa à saúde íntima e ao meio ambiente.
Fotos tiradas da internet
– Manui Brasil: A marca produz peças versáteis e atemporais, feitas com tingimento natural e estampadas manualmente. A ideia é transmitir a experiência de vestir uma moda consciente, versátil e sustentável, com tingimento vegetal e uso de fibras naturais.
Fotos tiradas da internet
E a gente finaliza por aqui, deixando o lembrete da nossa musa sensata, Lelê Santhana: “Só existe mudança quando a gente fala. Se todo mundo fica quieto e acomodado, dentro de suas casas e suas bolhas, nada vai mudar. A gente precisa de coragem pra falar, botar a cara a tapa e de entender nosso poder como consumidor e o poder que a gente tem em mãos”. A jornada é longa, mas é caminhando juntos nessa jornada que, aos poucos, vamos conquistando as mudanças necessárias.
Se você ficou curioso e quer saber mais sobre tudo isso, dá uma olhadinha nessas dicas que a gente separou!
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