Por Natália Aguiar
Com a pandemia da Covid-19 vários problemas estruturais da sociedade foram evidenciados. O principal debate foi sobre a saúde pública e, principalmente, e o acesso a uma medicina melhor, mais acessível, de qualidade, mais humanizada e gratuita. De forma positiva ou negativa, o Brasil é referência nas políticas públicas de saúde no mundo, com o Sistema Único de Saúde (SUS). São milhões de brasileiros que dependem exclusivamente de hospitais públicos para o tratamento de doenças. Veja o infográfico a seguir:
A gente sabe que a elite está na porcentagem que utiliza plano de saúde, mas se engana quem acha que ela não é favorecida pelo SUS. Esse sistema garante água tratada e saneamento básico nas casas, é o responsável pelo centro de transplantes, registra e analisa casos e transmissões de doenças, observando todos os seus fatores para sugerir soluções, proporciona atendimento gratuito de ambulâncias, distribui vacinas, além de comandar o serviço de vigilância sanitária que garante que bares e restaurantes tenham
alimentos de qualidade.
Na questão da saúde pública, em relação ao atendimento dos pacientes, muita coisa mudou de alguns anos para cá. Os profissionais não são mais vistos como deuses e, por isso, pedimos por melhores atendimentos e, principalmente, por atenção e cuidado de pessoa para pessoa, ao invés de um cuidado de médico para doença.
Passado insatisfatório
As principais queixas quanto ao atendimento na saúde pública giram em torno do tempo de espera e da falta de atenção dos médicos na consulta, que mal olham seus pacientes e não examinam, não falam numa linguagem adequada ao entendimento de quem não conhece as expressões da medicina.
A médica angiologista Flávia Vitorino, de 52 anos, conta que teve aulas de comunicação na universidade, onde aprendeu a sempre explicar os procedimentos e as doenças aos pacientes, ser educado e tratar bem o próximo, mas que sabe que na prática muitos colegas deixam a desejar nesse quesito. “Vejo que o que mais mudou foi na área da tecnologia, tudo hoje é informatizado, até os laudos de exames, mas quanto ao atendimento presencial as regras são as mesmas”, comentou.
Não é de hoje que a demora nos atendimentos é um dos grandes problemas do sistema de saúde pública no Brasil. A empregada doméstica Cristina Bono, de 35 anos, diz que utiliza a rede pública há vários anos e essa é sua maior queixa. “A demora e a lotação são coisas que incomodam muito, acaba que a consulta precisa ser rápida, embora tenha esperado horas para ser atendida ou para fazer um exame”, explicou. Dá para notar que os problemas no atendimento dos pacientes acontecem há tempo e percebemos que nada mudou de lá para cá.
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Presente turbulento
Como Cristina, a estudante Alyne Maria e a professora Joana Dias também utilizam os serviços do SUS. As duas precisaram de atendimento durante a pandemia e notaram as deficiências do processo. “Estava com os sintomas da Covid, quando cheguei lá [na Unidade de Pronto Atendimento] teve uma certa
demora para ser atendida, como sempre, é o que mais revolta, coisa de SUS, não fez teste, só perguntou os sintomas”, contou Alyne.
Já com Joana a história se tornou mais grave. Ela precisava que a tia com diabetes fosse atendida e se deparou com postos de saúde fechados. Na quarentena, a tia de Joana seguiu tomando medicamentos que não estavam mais fazendo efeito, causando a amputação de parte de seu pé. “Ela chegou num estado de ter que amputar e se ela tivesse tido acesso a atendimento médico, para fazer a mudança da medicação, ela poderia não ter perdido o pé”, lamentou Joana.
Além de problemas com a falta de atenção, a demora e até mesmo com a falta de atendimento, algumas pessoas se sentem vítimas de preconceitos. É o caso do estudante Matheus Ferreyra, que sofre com a gordofobia em diversas áreas de sua vida, inclusive em consultórios médicos. “A ciência saúde em si é
gordofobica nas suas raízes. A obesidade é uma doença gordofobica, porque na verdade nem doença é, é um estado do corpo, minhas taxas são ótimas, eu faço exercício e sou considerado obeso por não estar no peso ideal”, explicou Matheus.
Mesmo em momentos de solidariedade, como na doação de sangue, muitas pessoas acabam sentindo o preconceito na hora de doar. O estudante Fernando Antônio diz que sempre teve que mentir sua sexualidade por não ser permitido que quem se relaciona com pessoas do mesmo sexo realizassem esse ato. “Sempre me senti muito mal em ter que mentir. É um alerta da sociedade preconceituosa que tivemos. Um hétero poderia ter relações com várias pessoas e doar no dia seguinte, enquanto eu, mesmo que tivesse um parceiro fixo, não poderia doar por me relacionar com pessoas do mesmo sexo”, contou.
As histórias de Matheus e Fernando, infelizmente, não são casos isolados. Pensamentos ultrapassados já não são mais aceitos na medida em que a sociedade vem se tornando cada vez mais inclusiva, abrindo espaço para transformar o ambiente da saúde num local acolhedor para todos.
Futuro promissor
Um importante ponto que pode ajudar nesse caminho difícil é a comunicação. O tom e volume da voz, expressões faciais, um médico que olha no olho do paciente e o paciente se sente acolhido e amparado por ele são frutos de uma comunicação humanizada. A professora de comunicação da Faculdade Pernambucana de Saúde, Andrea Trigueiro, explica que quando a gente se comunica é para o outro e, se ele não compreende o que é passado, não é uma comunicação eficaz. Por isso, é preciso que um diga e que o outro escute, que um fale e o outro entenda. “Se você levar em conta, por exemplo, que os pacientes não entendem muita coisa sobre medicina, via de regra o paciente vai como leigo, quem sabe é o médico, o paciente ele acaba entendendo que o médico é um bom profissional quando aquele médico o atende bem, lhe dá atenção, conversa, ouve, faz uma escuta ativa daquele paciente”, ilustrou.
Outro ponto complicado é a “letra de médico”, tanto para o entendimento do paciente, quanto para o entendimento de outros médicos, por exemplo. Essa crítica bate num ponto de humanização e empatia porque dá para ver que muitos médicos não se importam com o entendimento dos seus pacientes.
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Esse tipo de pensamento atrapalha muito até no diagnóstico e tratamento dos pacientes. Com os prontuários escritos a mão, a letra difícil faz com que outros médicos percam tempo e até mesmo tenham que refazer exames. Para o estudante de medicina Renato Brayner, a solução para esse problema está nas receitas e prontuários digitais. “Facilita muito porque a partir do momento que o paciente chega lá na sua unidade básica de saúde, você vai ter acesso às fichas antigas dele lá no computador, na sua frente. Outra coisa é o problema do armazenamento desses dados: não tem risco de perder e não tem que procurar os dados antes num arquivo ou num armário e elimina esse viés da letra do médico”, observou.
Outro ponto importante, que se tornou essencial para a humanização da medicina e a melhora dos atendimentos, foi a reformulação do que é saúde para a Organização Mundial de Saúde. Atualmente, existe uma característica bio-psico-social da medicina, que nada mais é que não atender uma doença, mas atender um paciente que tem aquela doença e, dentro desse processo, englobar tudo que tem relação com ele: a família, o modo de vida, a habitação, as condições, porque tudo isso interfere na doença, no tratamento e na recuperação.
Uma mudança a se pensar para a medicina do futuro está nas novas tecnologias. O estudante de medicina João Felipe Júdice acredita que a telemedicina é uma tendência que só tem a crescer e que é possível sim, ter uma consulta com seu médico, a distância, de uma forma humana. “A gente tem muita coisa que é bem arcaica e que está mudando e acho que essas tecnologias vêm como uma ferramenta para aproximar o médico e o paciente. O diferencial não é o que você está usando, porque é só a ferramenta, mas como você está usando”, comentou.
A medicina está tendendo para um lado muito mais humano, e mais tecnológico e digital ao mesmo tempo. Ainda há muito chão pela frente, mas já podemos ver, pelos profissionais que estamos formando, que há uma grande chance de dar certo. “O que o médico vai precisar fazer é saber se comunicar bem. Já precisa, mas acho que é necessário melhorar bastante, aí nas próximas gerações vai ficando melhor. E para o pessoal que já está [no mercado] é a promoção de informação, de saber como é, o que é, de saber
como funciona e capacitação para saber como é que o profissional pode ser mais humano”, finalizou João.
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