Sociedade

2020: Quanto tempo dura um ano?

Por: Leticia Sarinho e Tereza Ferraz

ARTIGO

 

Se, nas palavras do jornalista e escritor Zuenir Ventura, 1968 é o ano que não terminou, 2020 segue pelo mesmo caminho de ser um desses ciclos de 365 dias que deixarão sua marca por um bom tempo. Assim como a ditadura militar tem resquícios e reveses até hoje, futuramente viveremos as sequelas que uma das maiores pandemias da história deixará para a humanidade. 

A Natureza sofreu e “revidou” os maus tratos

No quesito ambiental, o que parece é que a mãe natureza está devolvendo aos homens tudo que foi dado a ela. Não são fenômenos naturais, são resultados das ações humanas. A começar pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) que colocou em jogo não só a vida de muitos, como a economia, a política e a estrutura da civilização. De março ao atual mês, novembro, ainda não se pode dizer o que aprendemos com tudo isso, pois os erros seguem repetidos e a natureza continua a pedir socorro. 

Mas, quem irá acudir? Se nem um vírus mortal é capaz de despertar a humanidade para a situação do planeta. Antes mesmo da pandemia, a Austrália já ardia em chamas e, infelizmente, as lágrimas da comoção mundial não foram suficientes para conter o fogo. A temporada de queimadas começou ainda em 2019 e se alastrou até o ano atual, causando consequências irreversíveis para o meio ambiente. As altas temperaturas e os ventos poderosos foram catalisadores do processo que, em janeiro, já tinha destruído 1200 casas, e causado o desaparecimento de dezenas de pessoas e, ao menos, 24 mortes.

As regiões que mais sofreram foram as costas Leste e Sul, afetando a vida da maioria das pessoas que vivem na Austrália. Em Nova Gales do Sul, estado australiano, mais de 4 milhões de hectares foram queimados; cada hectare equivale aproximadamente a um campo de futebol. Por mais que a causa desse fenômeno seja climática, também conhecida como Dipolo do Oceano Índico (El Niño do Índico), quando somada aos demais acontecimentos mundiais, fica uma incógnita do que realmente está acontecendo em nosso planeta. 

Trazendo para um contexto mais local, as queimadas no Pantanal também reforçam esse questionamento. O bioma localizado no Centro-Oeste pode ser encontrado em partes da Bolívia e do Paraguai. Em 2020, a intensidade do fogo aumentou drasticamente, prejudicando bastante o ecossistema; de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), observou-se um crescimento considerável de 210% neste ano, com 14.489 focos de incêndio. 

As queimadas podem ser naturais ou propositais, para práticas de limpeza e renovação de área, podendo ser eficazes para a fertilização do solo. Contudo, essa intervenção traz graves consequências em larga escala, que é o que vem acontecendo, para manter o setor agropecuário. Os descasos podem ser relembrados desde a nomeação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que quando candidato a deputado federal pelo partido NOVO, fez referência em seu santinho (panfleto) ao uso de fuzis contra a esquerda, movimento sem-terra e à “praga de javalis” (animais europeus que ao serem introduzidos na fauna brasileira trouxeram consequências à prática da agricultura). Contudo, prometer agir de forma cruel para com os animais, é, mais uma vez, ignorar as más condutas humanas, e exercer um egoísmo em relação ao mundo e suas diversidades. É com essa postura que Salles defende a “segurança no campo”, colocando em evidência a política ambiental do Brasil e como o crime no campo é liberado. Vale ressaltar que, em 2016, período em que era secretário do Meio Ambiente pelo PP no governo de Alckmin, o atual ministro foi denunciado pelo Ministério Público por adulteração de mapas ambientais (para beneficiar mineradoras), e foi condenado por improbidade administrativa. Além disso, foi investigado por abrir uma chamada pública para vender 34 áreas do Instituto Florestal, sem antes fazer todo o processo legal necessário. 

Usando como exemplo as figuras presentes no atual governo, parece que, partindo da premissa de que o mundo foi feito para ele, o homem reforça ainda mais um sistema econômico desnivelado, que acentua as diferenças de classes, além de colocar o dinheiro acima de tudo; ignorando ou diminuindo as questões ambientais. Os erros se repetem e pessoas que visam apenas o lucro continuam no controle de situações determinantes para o país como um todo, seja na área da saúde ou financeira.

Falando em dinheiro, nem em meio a uma pandemia mundial, a gestão do nosso país se mostrou preocupada com questões sanitárias e humanitárias. Enquanto os países adotavam o isolamento e lockdown para prevenir o coronavírus, no Brasil, o presidente diminuía a gravidade da doença. Não obstante, seria impossível não sentir o peso na economia, visto que uma das moedas mais relevantes, o dólar, disparou chegando ao recorde de R$5,90 no mês de maio. Os reflexos foram inevitáveis em todos os âmbitos. 

Sociedade em transe

Intenso e turbulento, 2020 também deixa assinatura em questões sociais, tão ligadas aos contextos políticos e econômicos. Marcado pela discussão de temas altamente relevantes, o ano seguiu palco da luta contra o racismo; luta essa cada vez mais frequente. A morte de George Floyd, em maio, reacendeu o debate sobre violência policial, sobretudo contra negros. O cenário por aqui não é muito diferente, diga-se de passagem, mas ainda fica uma impressão de que o brasileiro se solidariza mais com problemas externos e esquece de olhar para o próprio – mesmo quando a questão é similar. Os protestos devem continuar – ainda que esporadicamente -, mas essa é uma pauta que precisamos trabalhar melhor: o reconhecimento de nossos próprios problemas.

Não só de debates raciais se fez o ano: desde o começo, 2020 já abria espaço para reflexões sobre mais um assunto necessário: o feminismo. A indignação com o desfecho do caso Mariana Ferrer, deixou ainda mais evidente a necessidade de se fazer barulho em prol da igualdade entre gêneros. Parece que estamos longe de alcançá-la. O caso de Ferrer é reflexo da luta feminina em busca de seus direitos – mais triste ainda, em busca do direito de não ter o próprio corpo violado. Nesse cenário, atingir esse objetivo demanda novos avanços diários. 

Por conta da pandemia, foi natural que as redes sociais se tornassem o palco desses tipos de debates (como já vinha acontecendo). Um grande questionamento para o próximo ano é se agiremos conforme os posts que compartilhamos ou se tudo vai ficar apenas no território online. Essa demanda já pôde ser vista, por exemplo, durante as eleições municipais de novembro, aqui no Brasil: muitas foram as publicações do tipo “vidas negras também vão importar na hora do seu voto?”. As redes são, sim, aliadas na luta em prol de uma realidade melhor, por serem donas de uma capacidade de alcance e viralização incomparáveis. Contudo, não podemos cair na ilusão de que apenas uma hashtag é suficiente; para gerar mudanças, precisamos agir no mundo real.

A Cultura dependeu da tecnologia

Também não podemos ignorar 2020 no que se refere à cultura. Desde resistência a ataques (como a proposta de tributação dos livros e tentativa de censura de clássicos em Rondônia) até sua adaptação frente à pandemia (com os shows transmitidos por lives), o setor equilibrou-se onde podia e não podia para manter-se firme na corda bamba. A tecnologia, mais uma vez, foi uma parceira.

Se teve uma coisa que a pandemia mostrou foi como estamos dependentes dos recursos tecnológicos e da força da internet. Sem eles, não teríamos tido home office, aulas online, entretenimento gratuito (com as lives), nem teríamos feito a feira do mês por aplicativo. Estender o alcance do mundo digital para todo o Brasil (e mundo) será um desafio para os próximos anos.

E, aqui entre nós, que anos! 2020 marca o fim do século 20 e o começo efetivo do século 21 (assim como a Primeira Guerra Mundial deu o pontapé inicial prático no século passado); o tempo não é tão definido como um calendário, em que basta virar a página. Suas consequências seguirão vivas durante um longo período. Se tudo der certo, com todos fora de suas casas, sem necessidade de máscaras, celebrando o fim da pandemia. 

Até lá, podemos (e devemos!) pensar no que somos capazes de fazer para que os próximos anos sejam mais leves. É notória a necessidade de priorizar o planeta, os movimentos em defesa dos oprimidos socialmente, o combate à desinformação e a luta pela educação. 2020 foi gigante, intenso, arrebatador – para o bem ou para o mal. Aqui, fica em aberto não só como fomos afetados, mas até quando seremos.

Sobre o autor

Carol

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Sobre O Berro

Berro é a revista dos alunos do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Tem uma edição semestral, vinculada à disciplina de Redação Multimídia.

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