Corpo & Mente

A cobrança do padrão de beleza em tempos de Instagram

 

Quem nunca ouviu falar em “padrão de beleza?” Ou pior, quem nunca se sentiu pressionado a segui-lo ou fazer algo extremo para se encaixar nele? De fato, o padrão não é novidade, mas sim algo que vem sendo imposto de maneiras diferentes ao longo dos séculos. No decorrer das gerações, mesmo que as pessoas que representam esse padrão mudem, a história é a mesma: você não será bem aceito se não for exatamente aquilo que o padrão dita ser o certo. O conceito do que é belo, agradável e satisfatório aos olhos da sociedade foi, no decorrer da história, moldado de várias formas, seja nas pinturas da nobreza renascentista ou nas estátuas gregas que esculpiam corpos humanos perfeitamente simétricos.

Vejamos os conceitos de alguns filósofos: para Sócrates, “o belo é o útil”, ou seja, a beleza não está associada à aparência física, mas sim ao quão útil algo ou alguém pode ser. Direto ao ponto, não é mesmo, Sócrates? Já para Platão, o belo está ligado a uma essência universal e não depende de quem observa, pois a beleza está contida no próprio objeto, na criação. Nada de “a beleza está nos olhos de quem vê”. E apesar de estes serem conceitos de pensadores antigos, não é muito diferente do que é propagado até hoje.

Com certeza também não é muito diferente do que você ou seus amigos próximos podem ter crescido ouvindo, “você deveria comer menos, esse rosto está muito redondinho”, “sua prima é mais magra que você e mais bonita também”. Segundo uma pesquisa feita em janeiro de 2020 pelo The National Institute of Mental Health (NIMH), no Brasil pelo menos 1% das mulheres sofre de Anorexia, e a compulsão alimentar atinge cerca de 3% da população, além disso, o índice de mortes causadas por esse tipo de transtorno é alto, entre 18% e 20%.

Mas esses transtornos não surgem do nada, eles possuem alguma causa, e uma das razões mais recorrentes é a pressão estética. Camila Amaral, hoje com 23 anos, conta que sofreu com transtornos alimentares durante sua adolescência. “Eu era gordinha quando criança e minha irmã era magra, então nossa mãe nos comparava muito. Isso fez com que eu tornasse a  busca pelo peso ideal uma obsessão”, relembra ela. Dos 16 aos 18 ela se tornou tão obcecada por perder peso, que chegou a ficar sem se alimentar. Escolhendo os dias que ficaria sem comer, para que perdesse peso mais rápido, “às vezes eu ficava sem comer absolutamente nada, e quando sentia que estava prestes a desmaiar, tomava um copo de leite”.

Infelizmente, isso não aconteceu só com Camila, mas acontece com muitas meninas ao redor do mundo, que todos os dias comparam seus corpos e seus rostos com as imagens que veem nas mídias. A sensação de não ser boa o suficiente, até mesmo para aqueles que nos amam, é sufocante. “Hoje eu tenho uma alimentação saudável, pratico esportes e malho. Mas nunca vou esquecer o que passei pra chegar até aqui e recuperar minha saúde mental”.

Na era da internet, além da família e dos amigos, nós temos os formadores de opinião nas redes sociais, os famosos “digitais influencers”. Ana Guimarães, de 17 anos, conta que mesmo que não se sinta mal com seu corpo, sempre que abre um story de alguma blogueira que ela segue e vê mais um procedimento estético que foi feito, acaba gerando um sentimento negativo nela. “Eu sempre fui magrinha, tenho dificuldade para ganhar peso e isso nunca me incomodou, mas no instagram todas são tão perfeitas, que eu acabo me perguntando: será que não tem algo de errado comigo?”

Assim como Ana, a maioria das adolescentes hoje em dia segue blogueiras que falam sobre suas vidas, mostram seus corpos e suas “conquistas”. Sobre isso, o questionamento que nós deveríamos nos fazer, é: que tipo de conquistas são essas? Recentemente a atriz e cantora teen Giovanna Chaves foi alvo de inúmeras críticas nas redes sociais por ter realizado uma cirurgia de lipoaspiração de alta definição, ou “lipo lad”, a mais nova sensação entre as famosas.

A cirurgia, além de remover a gordura abdominal, permite também dar forma e contorno a região do abdômen, criando o tão sonhado “tanquinho”, que levaria alguns anos de dieta e academia para ser conquistado naturalmente. Além disso, através dela também é possível retirar a gordura localizada e tornear braços, costas e pernas. Giovanna postou em sua conta do instagram que iria realizar o procedimento porque “não estava satisfeita com algumas gordurinhas localizadas e também porque é preguiçosa demais pra fazer academia e se alimentar bem”.

A chuva de críticas se deu porque além de ter recém completado seus 18 anos, a atriz é dona de um corpo considerado por muitos como padrão. “Se queria fazer, que fizesse, mas não precisava exibir, seu público é muito jovem”, comentou uma seguidora em seu perfil. Muitos comentários como “desnecessário” e “absurdo” também aparecem bastante nos seus posts sobre a cirurgia.

Mas vamos encarar a realidade, não é o primeiro caso como esse que vemos e parece que também não é o último. A youtuber e digital influencer Virginia Fonseca, de 23 anos, realizou o mesmo procedimento e durante seu pós-operatório, abriu uma caixinha de perguntas no instagram, para que seus seguidores pudessem tirar dúvidas sobre a cirurgia. Dias depois ela publicou um print onde uma seguidora perguntava “tenho 14 anos, posso fazer a lipo lad?”. Virginia respondeu da seguinte forma, “não, meu amor, não pode. Gente, eu tenho consciência da minha responsabilidade aqui, minha intenção não é que vocês façam tudo que eu faço.”

 

Não é a primeira menina de 14 anos que pergunta sobre procedimentos estéticos no instagram, o mesmo ac

onteceu em perfis de outras influencers, blogueiras, famosas em geral, que realizaram o mesmo e outros procedimentos do tipo. Lipo lad, preenchimento labial, rinoplastia, silicone… são tantos procedimentos para “corrigir, consertar, melhorar” características que na verdade fazem de nós quem somos. Não é surpresa que essas famosas estão cada vez mais parecidas. Mesma boca, nariz, olhos, mesmos corpos. Elas só esquecem ou fingem esquecer, que existem pessoas por trás das telas de celulares, pessoas reais, consumindo um conteúdo que as deixam cada dia mais insatisfeitas com o que veem quando se olham no espelho.

Pesquisas realizadas pelo Google constataram que durante o período de isolamento, as buscas por rinoplastia aumentaram cerca de 4.800% desde março. A razão dessa busca? Sair melhor nas selfies. Fenômeno que começou com o snapchat, a chamada “dismorfia do Snapchat, onde pacientes já não levavam mais fotos de celebridades aos cirurgiões, mas sim fotos de si próprias com os filtros do aplicativo.

Quem nunca usou um filtro do instagram para sair melhor na foto que atire a primeira pedra, mas você consegue se imaginar se submetendo a uma cirurgia que irá modificar completamente seu rosto só para ter em tempo integral aquela aparência que o filtro te dá? É isso que meninas entre 14 e 17 anos estão buscando desesperadamente. “Síndrome de selfie”, é assim que chamam a nova realidade das jovens e adolescentes que têm buscado os consultórios médicos em busca de uma melhor aparência para o instagram, facebook e tiktok, por exemplo.

E é em resposta a essa plastificação dos corpos que muitas meninas e mulheres têm se levantado na internet para dizer que nós podemos e devemos ser reais. Pollyana Oliveira é uma das que tem ganhado destaque nos últimos meses. “Verdade acima de tudo é o meu lema”, essa é a frase que você vai encontrar na bio do instagram dela. De maneira descontraída, leve, mas também incisiva e firme quando necessário, Polly tem ganhado espaço ao falar sobre corpos reais e a beleza que se revela através dele.

Link para o vídeo “Sobre Dor” https://www.instagram.com/tv/CGYriUTByEh/

Outra “blogueira da vida real” que tem ganhado destaque é Natalia Khalim. Ao fazer um comparativo irônico com as imagens de antes e depois, Natália faz paralelos entre as expectativas geradas pelo padrão e a realidade de pessoas normais, com corpos reais. Entre os seus posts que chamam mais atenção estão os “com pose e sem pose”, onde ela busca mostrar o poder que uma pose e uma boa postura têm na hora de clicar uma foto. Assim, ela tem desmistificado esse padrão de beleza inalcançável que na maioria das vezes nem mesmo é real.

“Pretty Hurts”, da icônica diva pop Beyoncé tem se mostrado cada vez mais atemporal. Apesar de ter sido lançada em 2013, o clipe que coloca em pauta os sacrifícios das mulheres em nome da beleza retrata perfeitamente o que vivenciamos hoje com as redes sociais, as pressões estéticas e a ditadura da perfeição. “A beleza dói, nós mostramos que temos de pior, a perfeição é a doença da nação”, parece que Beyoncé sabe bem do que estava falando. A perfeição se tornou nossa busca implacável, nossa maior meta, nos deixamos levar por uma ditadura que prega um corpo perfeito, quando a verdade é que a nossa alma é que precisa de cirurgia. Não para consertar algo que não precisa ser consertado, mas sim para que possamos nos olhar com mais empatia e amor e entender de uma vez por todas que está tudo bem sermos quem somos. Essa é a beleza da imperfeição.

Sobre o autor

Eduarda

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Sobre O Berro

Berro é a revista dos alunos do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Tem uma edição semestral, vinculada à disciplina de Redação Multimídia.

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