Cultura

Estamos lendo menos. O que você tem a ver com isso?

Por: Tereza Ferraz

Quase metade do Brasil não é leitora. Isso é o que diz o Instituto Pró-Livro, com a 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, lançada em setembro deste ano. Considerando como leitores aqueles que leram pelo menos um livro (inteiro ou em partes) nos últimos três meses, a investigação revelou que 48% dos brasileiros não se encaixam no critério. É ainda pior quando vemos que esse número aumentou: em 2015, os não-leitores constituíam 44% do país. Em outras palavras, estamos lendo menos. 

 

Sei que você ficou chocado como esse gatinho!

 

A maioria dos entrevistados (leitores ou não) alega falta de tempo. Curiosamente, seu tempo livre é dividido em diversas atividades, inclusive o daqueles considerados leitores (e a leitura, por pouco, não é uma delas!). Confira abaixo:

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infográfico 1 de TEREZA CRISTINA FERRAZ DE OLIVEIRA

É natural que isso aconteça. Pelas respostas, conseguimos perceber a quantidade de opções para se informar e se entreter. A ideia pode ser batida mas é verdade: estamos rodeados de informação. Um oceano de ideias, imagens, textos, histórias, sons e estímulos que nunca teremos tempo de consumir.

 

A gente te entende, Branca de Neve!

Em 2019, por exemplo, só no YouTube, 400h de vídeo foram enviadas à plataforma, por minuto. Além disso, a rede tem mais de 1,9 bilhão de usuários ativos conectados por mês. A cada dia, são visualizadas mais de 1 bilhão de horas de vídeo. É como se, em 24 horas, as pessoas assistissem 114 mil anos de vídeos no YouTube.

Claro que a rede de vídeos é apenas um caso, entre vários! À medida que a tecnologia evoluiu, novas plataformas e gadgets se inseriram no nosso dia a dia. Essa transformação foi tão profunda que muitas vezes pensamos “como eu vivia sem isso?!” (tipo as suas figurinhas preferidas do WhatsApp, sabe?).   

Como tudo na vida, o novo cenário trouxe consequências. Esse oceano informacional está diretamente ligado, por exemplo, à síndrome do FOMO, Fear of Missing Out, que, em tradução livre, significa “medo de ficar de fora”.

QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU? E O FEAR OF MISSING OUT? 🙀

O FOMO é, basicamente, um medo de perder experiências, o que nos leva a estar sempre conectados. Com as redes sociais, isso foi potencializado. 

Como é nesse ambiente (as redes) onde tudo acontece, de transmissão de notícias a negociações de compra e venda, cada vez mais pessoas estão sempre online. É nas redes que surge a necessidade de saber o que está rolando, o que seus amigos estão fazendo, qual foi a última fofoca postada naquele perfil famoso. 

Vale notar como o FOMO é sutil e silencioso. O “medo de ficar de fora” se manifesta diferentemente da imagem tradicional que temos de medo: ninguém treme, bate os dentes ou fica com os olhos arregalados. São sinais de FOMO atividades simples, como checar o celular constantemente, inclusive entre rodas de amigos. Quer outro exemplo? Sabe quando o WhatsApp dá aquele bug geral e todo mundo corre pro Twitter pra postar “foi só aqui ou o Whats travou?”? Isso tem tudo a ver com FOMO! Mas se liga! A síndrome não é brincadeira: pode levar à ansiedade e à depressão. 

É justamente por isso que o psicólogo Valclerio Ferreira manda o alerta: precisamos ter cautela. “A gente é bombardeado pelo excesso de informação em todos os níveis: tanto no virtual, quanto na TV e no rádio. Temos que aprender a ser seletivos”, afirma. No entanto, ele acredita que evitar o excesso de conteúdo é quase impossível. “O que a gente pode fazer é ensinar às crianças e aos jovens o hábito de selecionar, de procurar sites com conteúdos confiáveis e interessantes. Estimular o sentimento e a forma de agir, no sentido do virtual, com responsabilidade, e criar o hábito de procurar coisas construtivas”, aponta.

TÁ. MAS O QUE A LEITURA TEM A VER COM ISSO 🤔💭?

Mil coisas pra ver e fazer

Necessidade constante de checar as redes sociais

Geração cada vez mais ansiosa

Realmente, fica difícil pegar um livro nesse contexto. O hábito da leitura, já tão em baixa no Brasil, diminui mais ainda: há outras atividades e falta tempo para cumprir todas. O lance é que a leitura não precisa (nem deve) ser deixada de lado, porque traz vários benefícios. “Assim como toda atividade que envolve habilidades cognitivas, a leitura estimula diversas áreas do cérebro. Exercita a memória, ajuda a abstrair, a criar imagens mentais, incentiva a criatividade e estimula o foco e a atenção”, explica Valclerio. Fora isso, ler ajuda a relaxar, desconectar a gente do mundo real (o que cai super bem de vez em quando, né?).

Ufa! Quantas coisas boas! Mas só os livros têm benefícios?

Não! De acordo com o psicólogo, a internet e outros recursos digitais, como videogames, desenvolvem uma inteligência multifocal – que nos permite prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo (quem nunca viu um filme na Netflix enquanto mandava mensagem no WhatsApp que atire a primeira pedra!). No entanto, a leitura ajuda a estimular a atenção plena, que também é muito importante – coisa que os outros recursos não fazem. 

E não é só a leitura física que vale não, tá? “Os ebooks, livros digitais, são válidos porque são um acesso ao conhecimento. Ler sempre é válido”, afirma Valclerio. Os audiolivros também são aliados. “Vejo como as antigas radionovelas. Você cria imagens, por mais sonoplastia que tenha dos movimentos, dos objetos… Você cria, na sua mente, o lúdico”, aponta.

 Mas nem se preocupa que não teremos brigas por aqui, tá? “Um não é mais importante que o outro”, afirma o psicólogo, defendendo um aproveitamento de todo o nosso potencial, digital ou não. “Precisamos desenvolver as inteligências que temos: corporal, musical, matemática, intrapessoal… para que sejamos mais completos”, explica. 

O fato é: a leitura ajuda nesse avanço. Além dos benefícios que a gente já comentou, o ato de ler auxilia na ampliação do conhecimento, no desenvolvimento do pensamento crítico e da empatia. 

A partir da leitura compreendemos o pensamento do outro, quase sentindo na pele as mesmas emoções. “Você pode conhecer muitas coisas através da leitura: lugares, costumes, crenças, a história de alguém, de uma povo, uma nação, poesias, uma cultura regional. A literatura proporciona isso”, afirma Valclerio. É como assistir um filme 6D, daqueles bem imersivos, só que dentro da nossa cabeça!

 

Com a leitura, fica mais fácil entender e abraçar realidades diferentes da nossa!

 

Alguns livros, inclusive, se destacam por expandir nossos horizontes, sobretudo quanto a questões sociais. Confira alguns na galeria abaixo:

CERTO. MAS, SE A GENTE NÃO LÊ, COMO FICA QUEM ESCREVE?📝

“A literatura saiu do centro da vida. Temos que reconhecer, é um fato”, diz o escritor recifense Fernando Monteiro. Aos 71 anos, com vários livros publicados e documentários produzidos no currículo, ele acredita que hoje lemos menos por não conseguirmos ficar sozinhos. “Está acontecendo uma coisa com o ser humano: ele precisa de pessoas”, analisa. É justamente essa falta de “vida interior” que atrapalha quando tentamos fazer uma leitura; ler é uma atividade solitária (mas não de uma forma triste!). Não à toa, até quando estamos sozinhos, buscamos companhia (tipo quando a gente conversa por horas pelo WhatsApp com os amigos, quando estamos desacompanhados em uma fila, por exemplo).

Além disso, para Fernando, a literatura hoje está muito ligada à uma “instrumentalização”, ou seja, quase um fim para alcançar um objetivo. “A leitura hoje tem que ser útil, trazer algum ganho”, comenta, em tom de humor. A lista de livros mais vendidos da Amazon, grande plataforma online de vendas (onde você compra de livros a travesseiros), confirma essa ideia: não são raros os títulos ligados a autoajuda, mindset ou investimentos financeiros, prometendo lhe fazer mudar de vida em 100 páginas ou enriquecer mais que o primo favorito da família, que aos 20 anos já tinha a casa própria. É como se o espaço para a ficção, ou seja, a leitura lúdica e de abstração (que, ainda assim, é capaz de nos ensinar grandes coisas!), estivesse diminuindo.

Então, por que continuar escrevendo? Vista por Fernando como uma reinvenção e reinterpretação da vida, a leitura continua guardando sua importância. “O livro é uma grande invenção, até hoje”, afirma. “A leitura deve ser defendida porque precisamos da vida interior. Não fazemos mais as perguntas ‘quem somos, de onde viemos e para onde vamos’. Precisamos disso”, explica. 

ENTÃO A TECNOLOGIA É UMA GRANDE VILÃ 😈 E SÓ A LEITURA PODERÁ NOS SALVAR 😇?

Vamos com calma! Lembra do que o psicólogo Valclerio disse? Não vamos demonizar a tecnologia (até porque, sem ela, esse texto nem teria sido escrito). De fato, a expansão de ferramentas e redes tecnológicas acarretou em males não previstos inicialmente (como o próprio FOMO, os cancelamentos e as fake news). No mesmo ritmo, não é tão fácil para nós ficarmos sozinhos. Isso tudo é verdade, mas as mudanças durante esse tempo também trouxeram possibilidades muito interessantes!

Diz se não é legal saber que podemos falar com amigos que estejam longe, trocar informações com o mundo e fazer nosso próprio cantinho no universo chamado internet? Nesse espaço, podemos falar sobre o que gostamos e encontrar pessoas que se conectem com esses assuntos – o que é incrível, né? 

Pois é exatamente isso que uma galera faz, em redes como o YouTube e o Instagram, para divulgar seu amor pelos livros! Os chamados booktubers e bookstagramers dedicam seus perfis à produção de resenhas, listas e organização de leituras coletivas – incentivando o hábito de ler e, por consequência, tentando mudar a situação que a gente viu lá no começo do texto!

Uma dessas pessoas é a recifense Maria Júlia Pereira, de 20 anos. Estudante de direito, ela criou o perfil Bonito É Pensar, no Instagram, em 2017, inicialmente para postar textos autorais até que, esse ano, decidiu focar no conteúdo sobre livros. “Meu pai era dono de uma grande livraria daqui do Recife. Cresci nas bienais, nas editoras… era uma coisa muito orgânica para mim, então ler sempre foi um pedaço do meu dia”, conta.

O perfil nasceu de uma ideia que martelava a cabeça da bookstagramer mais que martelinho de juiz em tribunais: postar seus textos e falar de livros. “Sempre gostei muito de falar sobre as coisas que gosto, de escrever… Vi no Instagram uma forma de democratizar o acesso à leitura”, explica. Além disso, a plataforma escolhida foi estratégica. “Grande parte dos jovens deixou os livros para ficar nas redes sociais. Minha ideia é justamente me infiltrar numa rede e tentar encantar essas pessoas a voltarem ou descobrirem esse mundo”, explica. 

Com mais de 900 seguidores (mesmo depois de um período em pausa nas postagens), o perfil conquista o público de uma maneira que Maria Júlia não imaginou. “Não esperava que as pessoas fossem se interessar tanto. Consegui criar um público fiel. Estão sempre curtindo os posts, interagindo, engajando. As pessoas são incentivadas e me incentivam”, afirma. “Fico muito feliz com declarações que recebo de ‘voltei a ler por conta das suas indicações!’. É muito gratificante”, conta.

Além de Maria Júlia, no Instagram, você pode conferir conteúdos literários no YouTube! Confira alguns canais do booktube na playlist abaixo:

AMEI E QUERO SER DO TIME #AMOLER 🤩

Então, venha com a gente, pequeno gafanhoto, que estamos aqui para te ajudar nessa jornada!

 

“Minha aliada é a leitura”, é o que diz o Mestre Yoda (no nosso universo alternativo)

 

Sabemos que o primeiro passo é sempre o mais difícil, mas vamos lhe dar o caminho das pedras (quem sabe, um com tijolos amarelos?). Preparamos um guia rápido para te ajudar a escolher o seu próximo livro! É só seguir as setas! Depois conta pra gente, lá nas nossas redes, o que achou da leitura?

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infográfico 2 de TEREZA CRISTINA FERRAZ DE OLIVEIRA

 

 

Sobre o autor

Carol

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Sobre O Berro

Berro é a revista dos alunos do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Tem uma edição semestral, vinculada à disciplina de Redação Multimídia.

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