Você já parou para observar o número de representantes negros nos espaços de poder em Pernambuco? A baixa presença de pessoas negras na política, em especial as mulheres, é um fato. Nos últimos anos, inclusive, essa pauta tem ganhado notoriedade, justamente por existir leis que garantem a igualdade entre os povos, mas que apesar disso, o racismo estrutural, fruto de um processo histórico agressivo, continua negando essa diversidade e modelando preconceituosamente a sociedade até os dias atuais. Um exemplo desse perfil da população brasileira está na representatividade no Congresso Nacional. Apesar da maior parte das pessoas se autodeclararem como pretas ou pardas (54%), os parlamentares brancos são os que dominam aquele espaço com 96% de sua ocupação total, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Mas essa realidade não é encontrada apenas à nível nacional. Pelo contrário. Nos principais espaços de poderes representativos em Pernambuco – Assembleia Legislativa, Câmara do Recife e na bancada estadual na Câmara Federal – a realidade se repete. Este cenário é fruto de um racismo estrutural entranhado nas raízes brasileiras desde o seu descobrimento, ainda no ano de 1500. É a estruturação de toda uma sociedade, especialmente pela escravatura, com base na discriminação racial, privilegiando a raça branca em detrimento das outras (negros e indígenas).
Este contexto, inclusive, é corroborado pela historiadora e socióloga Alyne Nunes, que aponta o racismo estrutural como um fator principal para entender essa baixa participação dos negros (e das mulheres) na política. “Existe todo um impeditivo, toda uma apropriação por parte desses homens brancos, cis e hétero, por historicamente se autoproclamarem representantes das ideias e anseios da população em geral. Percebemos no contínuo da história que os movimentos de mulheres, negros (as), indígenas, LGBTQI+, tem pleiteado suas vozes, seus entendimentos de mundo e sociedade a partir de suas localidades, vivências e experiências, e que tem sido continuamente ignoradas pelas pessoas que estão no poder. Ou seja, não existe alternância na representatividade, nem diálogo com essas outras pautas”, analisa.
Por mais que o debate e o combate ao racismo tenham evoluído – mesmo que a passos lentos – com a criação de novas leis e políticas públicas, o assunto ainda é um tabu no Brasil. Muitos brasileiros gostam da ideia de que não somos um país racista. Uma realidade muito desagradável que impede um maior avanço rumo à democracia racial, especialmente na ampliação representativa nos espaços de poder para uma população que representa 54% do país. A cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO) indica os principais fatores que se relacionam diretamente com as barreiras de acesso à política no Brasil.
“Temos traços culturais que determinam como elementos de sucesso na sociedade pertencer a determinada raça ou gênero. Pertencer a determinados grupos familiares, que tradicionalmente dominam os partidos em contextos locais, ainda é um fator chave para se acessar a política. Esses mesmos grupos econômicos e familiares dominam os cargos de direção dos partidos e, assim, podem decidir a quem destinar os recursos partidários, quais serão as campanhas efetivamente competitivas. Desse modo, grupos sociais que tradicionalmente não compõem os quadros de direção dos partidos, que não pertencem a famílias tradicionais, precisam travar uma grande disputa para ocupar espaços”, pontua.
Ainda assim, esse processo de dominação dos brancos têm ascendido à cada eleição, seja ela municipal ou federal, o debate sobre uma inserção igualitária dos negros e das mulheres na política como um todo. Isso se reflete nos dados divulgados pelo TSE sobre as eleições de 2020, onde foram registrados o maior número de candidaturas de pessoas negras desde 2014, ano que o órgão passou a coletar informações sobre a cor/raça dos (as) candidatos(as). Em 2020, 50,04% se declararam pretos ou pardos, superando os 48,7% e 47,76% do pleito municipal de 2016 e 2018, respectivamente. É válido observar que mesmo com o crescimento, a evolução de um pleito para o outro ainda foi tímida.
E isso se reflete avaliando que mesmo com o aumento significativo de candidaturas negras, isso não se refletiu no aumento da elegibilidade dessas pessoas, apontando que o Brasil ainda tem um longo caminho para mudar a estética política e alcançar a representatividade nos espaços de poder. Outro ponto a se destacar é que mesmo com a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu que os partidos distribuíssem os recursos do Fundo Eleitoral de forma proporcional para candidaturas de pessoas negras e brancas, essa determinação não conseguiu mudar de forma significativa o cenário.
Na visão da historiadora e socióloga Alyne Nunes, esse problema se acentua ainda mais quando é feito o recorte de gênero para mulheres negras, onde o Brasil ocupa o 9º lugar no ranking de 11 países da América Latina, em um índice de direitos e participação política de mulheres, divulgado em setembro de 2020 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a ONU Mulheres, com o apoio da organização IDEA Internacional. Nesse quesito, são levados em consideração as dificuldades e os maiores obstáculos de acesso aos direitos políticos para as mulheres e a população negra.
Nas eleições municipais de 2020, o Recife elegeu pela primeira vez uma mulher negra como a vereadora mais votada. Advogada e militante da luta feminista antirracista, Dani Portela (PSOL) foi eleita com 14.114 votos. Antes, ela também tinha sido candidata ao governo de Pernambuco, em 2018. No entanto, sua vitória no ano passado foi bastante significativa em meio à um cenário de baixos números de representantes negros, especialmente mulheres, na política pernambucana. Além dela, mais sete vereadores também se autodeclaram como pardos ou negros na Câmara do Recife. Ou seja, o espaço reflete diretamente essa sub-representação, como a própria parlamentar explica.

Apesar de ainda estar no início do seu primeiro mandato, Dani Portela ressaltou a importância de uma mulher negra ocupar um espaço onde discussões importantes são realizadas diariamente. “A gente precisa participar, precisa estar nesses espaços para que a nossa voz seja ouvida. E como a nossa voz vai ser ouvida? Possibilitando a criação de leis, de políticas públicas, que enfrentem a desigualdade de raça, que enfrente o racismo. É uma busca por uma sociedade mais justa, igualitária, justamente para nós que compomos a maioria da população, mas que representa também os maiores índices de fome, de pobreza, de miséria, de desemprego. Então, não dá mais pra admitir que a gente siga sub-representados ou invisibilizados”, reforça.
Ouça o relato da experiência de Dani Portela como vereadora do Recife:
Juntas
Além de Dani Portela, outro exemplo importante da representatividade negra em Pernambuco são as deputadas da mandata coletiva Juntas, composta por cinco mulheres, entre elas, uma transexual negra. As parlamentares, inclusive, foram as únicas mulheres autodeclaradas negras que foram eleitas em 2018. Fizeram história não só ao eleger um mandato coletivo, mas também por ser um símbolo de ruptura à hegemonia branca, hétero e patriarcal estabelecida historicamente na Assembleia Legislativa de Pernambuco.
“Quando a gente se coloca para ocupar esses espaços enquanto mulheres negras, a gente vem numa tentativa de contornar essa situação, mas também pleiteando um protagonismo que sempre deveriam ter sido das mulheres negras e nunca foram. A política machista, misógina e patriarcal se incomoda quando a gente ocupa esses espaços. Ainda temos poucos espaços, mas a gente observa um avanço no aumento de candidaturas tanto mulheres, especialmente as negras. Dani Portela é um exemplo, já que a pessoa mais votada para a Câmara do Recife é uma mulher negra”, ponderou Robeyoncé Lima, co-deputada transexual.

Mesmo com o avanço das candidaturas negras, Robeyoncé aponta outra dificuldade, agora vivenciada pelo público LGBTQI+. A deputada relembra episódios como o do ex-deputado federal do Rio de Janeiro Jean Wyllys, que precisou se exilar devido à ameaças da milícia, e também de Benny Briolly, a primeira vereadora trans eleita em Niterói (RJ), que também precisou sair do Brasil após receber ameaças de morte. “Não é uma luta fácil porque essas pessoas não querem a gente ocupando espaços de poder. Não querem a gente no Legislativo. Não querem a gente em lugar nenhum. Na verdade, só querem a gente mortas, porque o Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Não dá para gente militar debaixo de sete palmos de terra”, conclui.