Há cinco anos, a vida de Mário Andrade foi brutalmente interrompida quando Luiz Fernando Borges, então sargento reformado da Polícia Militar de Pernambuco, disparou três vezes contra o adolescente.

Com apenas 14 anos, Mário foi assassinado enquanto andava de bicicleta na Avenida Dois Rios, localizada no Ibura, um dos bairros mais pobres do Recife. Desde a morte do filho, no dia 25 de junho de 2016, a vida de Joelma Lima foi transformada. Mas, a batalha por justiça e o desejo de que o Mário nunca seja esquecido, fizeram dela um exemplo de força e coragem para aqueles que lutam pelo fim do genocídio da população negra.

A primeira vez que encontrei Joelma, ela estava sentada na laje do Centro Comunitário Mário Andrade, arrumando a mesa e as cadeiras para receber os voluntários do local. Apesar da pandemia da covid-19, que segue limitando o contato físico, o sorriso que ela abriu ao me ver chegar não me fez pensar duas vezes antes de aceitar o abraço que estava sendo oferecido. Eu, que já conhecia sua história, me tornei voluntária do local naquele dia. Nascida e criada em outra parte do bairro do Ibura, entendi ali, enquanto observava a alegria de Joelma ao planejar as ações dos próximos meses, a importância de ajudar naquele projeto que tem o potencial de salvar vidas, inclusive a dela.
“Fico ansiosa porque vou falar de Mário!”
Essa foi a primeira resposta que ela me deu ao telefone, quando perguntei como estava no dia em que falei sobre a proposta de contar sua história. Após a entrevista, Joelma iria participar de um evento com Mirtes Renata, mãe do menino Miguel, que aos cinco anos, morreu ao cair do 9º andar de um edifício de luxo na capital pernambucana, depois de ser deixado sozinho no elevador do prédio pela patroa da mãe.
Foi com a voz embargada que Joelma me lembrou que em alguns dias, o assassinato de Mário estaria completando cinco anos. Desde então, ela é a responsável por um projeto social que tem o objetivo de ajudar com que famílias periféricas não vivenciem a mesma dor. O Centro Comunitário Mário Andrade está instalado onde antes era a casa de Joelma, Mário e suas duas filhas. “Decidi derrubar e fazer o centro. Comecei com algumas ações para as crianças, motivada pelo sonho do meu filho de ajudar a comunidade e não ver mais meninos na rua”.
O Centro Comunitário Mário Andrade

O ponto de partida para a decisão foi em 2018. A precisão para lembrar das datas mostra a importância delas na vida de Joelma. “Foi depois do júri popular, no dia 6 de novembro de 2018, depois de 2 anos e 4 meses de luta”, contou. Naquele dia, o já ex-sargento da PM que assassinou Mário recebeu sua pena pelo crime: 28 anos e seis meses de prisão.
Após travar essa luta por justiça, Joelma assumiu um novo desafio: plantar as sementes de Mário. “Ele tinha um sonho de ser empresário e queria ter uma fábrica de feijão. Eu sempre perguntava como ele ia fazer, mas Mário respondia que ia plantar a semente, quando começar a dar, a gente ia colher. Para mim, o centro é essa semente. É o coração dele ali. Ver essa fábrica crescendo, oferecendo curso profissionalizante para os adolescentes, sabendo que as mães estão vendo os filhos com uma profissão, sem se envolver com as drogas, é muito gratificante”.
Com a pandemia, as necessidades do local se multiplicaram. Mas, quem acompanha de perto o trabalho realizado por Joelma consegue perceber que a disposição também aumentou. No grupo que reúne a coordenação do local, cada doação recebida é comemorada. “É um trabalho muito complicado, a gente viu crescer o número de famílias vulneráveis em situação de fome. Nós vamos pedindo e distribuindo doações de cesta básica, materiais de higiene, máscara e por aí vai. A gente tá sempre batendo de porta em porta pra pedir. Mas é gratificante, cada coisinha que é feita no centro, cada ação, cada doação, é só gratidão pra mim”.
Joelma Lima
Presente diariamente no local, Joelma sonha que o trabalho possa ser realizado em outros locais da cidade, ajudando o máximo de pessoas possível. “Eu quero que o centro cresça e tenha bastante voluntários para ajudar a dar um pouco de dignidade para as famílias da comunidade. Meu objetivo para o futuro é ver o centro não só no Ibura e mostrar que, mesmo com a dor e a falta que meu filho faz, a gente pode mudar outras crianças, fazer com elas tenham o que Mário não conseguiu ter, o direito de viver”.
É com essa força e determinação que Joelma inspira quem está ao seu redor a persistir em uma luta muitas vezes ingrata, sempre injusta. Apesar de motivadora, a dor de Joelma, Mirtes e de tantas outras mães de jovens negros que tiveram suas vidas interrompidas precocemente, não deveria existir. É com esse objetivo que, atualmente, Mário vive. “Já pensei várias vezes em desistir, quando bate o desespero da saudade. Mas vejo que não posso. Ali é o coração de Mário, é onde ele vive. Se acabar, eu acabo e meu filho é esquecido. Eu prometi e vou lutar até o fim da minha vida para levar esse legado e mostrar que meu filho permanece vivo”.
