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Cultura

O BBB como um espelho da sociedade racista nos dias atuais

João Luiz, vítima de racismo dentro da casa do BBB21. Foto: Reprodução/Tv Globo

“O Rodolffo chegou a fazer uma piada comparando a peruca do monstro da pré-história com o meu cabelo. Pra mim, isso tocou em um ponto muito específico, porque o jogo pode ser sim de coisas que a gente vive aqui dentro, mas também tem que ser um jogo de respeito”. Esse foi o já famoso desabafo que o professor de Geografia João Luiz fez no jogo da discórdia do Big Brother Brasil 2021. Apesar do desabafo que vem carregado das situações preconceituosas no dia a dia, um mutirão de pessoas apareceu para defender as ações de Rodolffo na internet. “Foi apenas uma piada”, “Ele não quis falar sério”, “O João é um vitimista”, foram algumas frases postadas por pessoas brancas nas redes sociais naquele dia e mesmo após o reality acabar. Entretanto, esta realidade na qual a vítima é não só acusada mas assediada na internet por pessoas defendendo atos preconceituosos, é comum na sociedade atual. Uma atitude preconceituosa que nega o racismo e que ataca o oprimido, de forma impessoal e em massa.


“Toda hora aparece uma frase preconceituosa de algum participante. Lá no BBB eles se sentem no próprio mundo, achando que podem demonstrar o racismo, gordofobia e homofobia deles a vontade. 21 edições do programa já e teve até mesmo ganhador falando besteira. Essa é a realidade, pessoas cheias de ódio que se acham no direito de falar o que bem entender pois o público vai adorar e infelizmente o povo gostava mesmo, só contar quantos negros e gays foram ganhadores do programa ou comparar como a galera nas redes se comporta quando um heteronormativo branco faz algo e quando uma bicha negra faz.” comentou Erica Cileide, massagista e telespectadora há anos do reality.

“Esse tipo de humor é apenas um modo de destilar e reproduzir preconceitos através de uma linguagem amena e que pareça inofensiva mas, na realidade, não deixa de perpetuar o racismo. Imagina alguém violar a sua autoestima em um ambiente descontraído, sem ter um jeito de rebater na hora, pois o filme de todas as situações parecidas e que você escuta por aí na rua passam na sua cabeça, apenas reforçando como a população age nessas situações?”, questiona o sociólogo Fábio Augusto, comentando sobre o episódio com João e Rodolffo no reality show.


“Racismo é muito mais do que um episódio de reencarnação dos eventos da KKK (Ku Klux Klan), e sim todo tipo de preconceito e violação de respeito em cima de raça que não só se limita ao tipo agressivo direto, mas que se manifesta o tempo todo, nas falas no cotidiano, como as expressões “humor negro” e “denegrir”. O assédio em cima de inferiorização afeta também relações de trabalho, onde o estigma de um cabelo crespo é tão grande, que o uso da chapinha para que, como dizem, o cabelo ficar ´arrumado´ e assim ´ser aceito no ambiente de trabalho´, é cravado na nossa sociedade. Até mesmo nas redes sociais isso é destacado, não só com comentários racistas nas postagens, mas nos números de seguidores também”, analisou.

Na vigésima edição do BBB, a participante Gizelly fez um comentário racista sobre a maquiagem de Thelma Assis, vencedora da edição. “Gente, eu não sei o que a Thelminha passa na cara. É barro?”, questionou. Novamente um comentário racista em um ambiente de humor, um local descontraído, pegando de surpresa a colega de confinamento.


Enquanto uma legião de pessoas na internet defenderam Thelma, como a cantora Preta Gil, que desabafou indignada sobre o caso: “Até quando vamos ter que escutar isso?? Nossa base não é barro, não, meu amor. Somos Pretas!!!” outros, como o ex-diretor da Band, o empresário Rodrigo Branco, que se manifestou contra a médica, dizendo que torcer por ela era racismo e que a existência da torcida dela era apenas porque ela era “negra coitada”. Rodrigo Branco é o tipo de gente que transparecem racismo em vários modos, ele é uma face da sociedade brasileira e representa inúmeros rostos que propagam o racismo no nosso dia a dia.


Já no BBB 19, Paula Von Sperling foi a vencedora da edição, mesmo dizendo frases preconceituosas, racistas e até mesmo de intolerância religiosa. Ela foi intimada a prestar depoimento pelo caso de racismo no programa porém, meses depois, foi arquivado. Paula foi campeã destilando preconceito com a ponta da língua e até mesmo a emissora, que anos depois, após pressão do público, comentou nas redes sobre o caso com João no BBB21 e teve uma postura irreverente e o apresentador destacou a “audácia” nas falas da campeã. “Vence o BBB19 a pessoa que teve a audácia de ser imperfeita, a pessoa que, na frente de todo mundo, teve a ousadia de ser real em 2019”, discursou Tiago Leifert na época. Milionária e ovacionada pela emissora, eram esses os frutos de uma branca que esbanjou preconceito durante o confinamento.

Dois anos depois, o apresentador do reality e emissora tiveram uma postura muito diferente, com uma entrada ao vivo logo após o encerramento das votações na qual Tiago Leifert discorreu sobre como a “piada” desrespeita muito mais do que só João e representa um símbolo de resistência. “Um cabelo black power não é um penteado. É mais do que um penteado. É um símbolo de luta, resistência, foi o que os pretos americanos usaram como símbolo antirracista, eles vestiam o black power para mostrar que eles se amavam. Há pouquíssimos anos atrás uma pessoa negra tinha que levantar de um ônibus para um homem branco sentar. Historicamente, o cabelo do João foi associado a uma coisa errada, suja, feia. Não existia cosmético para a pele da Camilla até pouquíssimo tempo atrás. E é por isso que quando a gente faz um comentário sobre o cabelo do João não é sobre um penteado. Você está falando de um símbolo, da ancestralidade do João”, comentou.

https://www.youtube.com/watch?v=q6a3VgHIgB4
Discurso completo do apresentador.


No mesmo discurso, Tiago também explicou como aprendeu com o Babu, 4º lugar no BBB 20, onde o próprio apelido de Alexandre Santana, nome verdadeiro de Babu, é racista, mas que o próprio o utiliza como um símbolo, uma imagem para o que ele luta. “A primeira vez que ele que ele ouviu Babu ele quebrou a cara de todo mundo na porrada. Mas depois ele falou: quer saber? Eu vou usar isso como um símbolo de resistência. Ele nos deu uma aula no ano passado sobre o que é o black, mas isso é o Babu.”, disse Tiago.

Layane Santos, estudante negra do Ensino Médio, é uma das telespectadoras que se sente impactada pelas pautas levantadas no programa. “Usava muito a prancha até alguns anos e sempre fui incentivada a isso pois o meu cabelo era bagunçado, grande e parecia “uma moita”, segundo as palavras do do meu pai e da minha mãe, ambos negros, e dos meus colegas de classe. Quando todo mundo ao seu redor age assim, perpetuando o preconceito exercido neles mesmos, percebemos que tem um problema muito grande nas nossas mãos. Se aos 13 anos eu tivesse visto esse discurso do Tiago, talvez nunca aceitasse que me magoassem assim. Se meus pais tivessem acesso a um diálogo com esses, talvez nunca aceitassem isso também. A gente tem que lutar pelo posicionamento, continuar a nossa resistência. O discurso dele e o posicionamento do João me fizeram chorar, pois percebi como estou apenas lutando uma das inúmeras batalhas que a gente enfrenta por aí, que o negro no Brasil vê na frente dele”, explicou a estudante.

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