Assim como nas mais diferentes esferas da sociedade, o esporte também é um espaço onde o racismo se faz presente, já que esse é mais um dos fatores estruturais que moldam o pensar e também o agir da população. O futebol, paixão mundial, não sai impune e constantemente é palco para tratamento desigual entre atletas negros e brancos, mesmo quando a intenção é elogiar o desempenho apresentado.
A discussão a respeito desse tema, inclusive, ganhou mais visibilidade no segundo semestre de 2020, através de uma pesquisa realizada pela organização europeia RunRepeat em conjunto com o sindicato de jogadores de futebol do País de Gales e da Inglaterra. Ao fim do levantamento, ficou comprovado que existe uma forma específica em tratar atletas de diferentes raças durante as transmissões dos jogos. Em todo o mundo, narradores, comentaristas e repórteres reforçam as diretrizes do racismo ao avaliar o desempenho de atletas em campo. Os brancos, geralmente, têm elogios atrelados à inteligência, enquanto os negros recebem “aplausos” por seu porte físico muitas vezes. E só.
Essa pesquisa, embora tenha sido elaborada a partir de transmissões das principais ligas europeias das últimas duas temporadas, ligou o “alerta” para outros lugares do planeta repensarem as atitudes naturalizadas no meio do esporte. O Brasil, por exemplo, é um dos países onde o nome verdadeiro de um atleta negro é facilmente substituído por um apelido. Demonstração carinhosa à primeira vista, porém, que geralmente também faz alusão ao tom da cor da pele do jogador. Protagonistas não faltam. Fumaça, Escuro e Apagão são alguns deles.
Reforçando essa desigualdade durante as transmissões a nível local, o repórter Tharcys Michel, da Rádio Transamérica do Recife, resgatou dois exemplos do passado, que seguem sendo perpetuados no meio do futebol. Um deles, inclusive, foi há 71 anos, com o goleiro Moacir Barbosa, crucificado à época por uma falha diante do Uruguai. Confira o vídeo
Dois outros nomes brasileiros se destacam neste contexto: Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, e Edinaldo Batista Libânio, o Grafite. O primeiro, tido por muitos como o melhor jogador que o Brasil já teve, foi apelidado no início da carreira por “Gasolina”. Já Grafite, ídolo no pernambucano Santa Cruz, recebeu essa nomenclatura através de um treinador ao longo da carreira, sem sequer ter sido consultado sobre a nova identidade que assumiu para o mundo.
ESPECIALISTA FALA
Para o historiador Yago Mendes, que também atua como jornalista esportivo no Diario de Pernambuco, a mescla que existe entre o racismo e o futebol começou desde a importação do esporte para o país. Inclusive, a prática do desporto, seja de tom profissional ou amistoso, nem sempre foi acessível aos negros, que carregam resquícios da escravidão que seu povo sofreu até a atualidade.
“Não podemos pensar o futebol como algo à parte da sociedade. Como fazemos parte de um tecido social em que a escravização foi por muito tempo normalizada e tida como ferramenta de progresso para um modelo econômico, a ideia de inferiorização da negritude criou raízes no imaginário de alguns setores mais abastados, inclusive, sendo estes os responsáveis por importar o futebol para o Brasil. Não podemos nos esquecer que quando Charles Müller trouxe a primeira bola e ensinou as regras do esporte desenvolvido pelos operários de fábricas na Inglaterra, o acesso ao futebol foi interditado por muito tempo aos negros”, afirmou Yago.
OBSERVATÓRIO RACIAL DO FUTEBOL
Destacando o universo do futebol como uma ferramenta que pode auxiliar também na luta no combate ao racismo, o integrante do Observatório da Discriminação Racial do Futebol, Luciano Jorge de Jesus, detalhou como os clubes do esporte no país podem amenizar de forma prática um tempo marcado por injustiças históricas. Usando como base os relatórios anuais desenvolvidos pelo Observatório, ele comentou um aumento de consciência entre as pessoas de uma forma geral, e consequentemente, de ocorrências
“O que a gente percebe com os relatórios é que há um aumento de ocorrências. Isso significa primeiro que a gente vive num país racista. O segundo ponto é que estão em maior evidência ou ainda que as pessoas tenham maior consciência e dão destaque”,
afirmou Luciano.
E para que esse crime não seja ainda mais naturalizado no país do futebol, Luciano ressaltou a importância de uma organização entre os setores que dão “vida” a uma instituição de futebol. “Me parece importante que os clubes entendam a forma como o Brasil trata as pessoas. Dentro dessa lógica, também é importante entender que pouca coisa vai mudar se a própria forma como os clubes se organizam não mudar”, disse.
“Não adianta simplesmente fazer campanhas, dar visibilidade, fazer vídeo, colocar todos os atletas negros se não houver uma mudança no modo institucional de encarar a discriminação racial”, completou.