Você que navega na internet certamente já deve ter ouvido falar de “Torto Arado”, livro que uniu sucesso comercial com prestígio literário e foi eleito o melhor romance de 2020 no prestigiado prêmio Jabutialém de ter vencido em outras duas honrarias editoriais — os prêmios LeYa e Oceanos.
A história de duas irmãs negras, Belonísia e Bibiana, que trabalham arando a terra explodiu em vendas em 2021, superando a marca de 130 mil exemplares vendidos e se configura como o ponto mais alto de uma tendência literária de representatividade que sempre marcou a produção nacional mas que agora vem ganhando maior alcance, além de um maior número de produções. Pipocaram nos últimos anos às publicações de romances, de autores negros, protagonizados por personagens negros. Aqui em Pernambuco não é diferente.
A escritora, poeta negra e feminista Odaílta Alves fez da leitura uma válvula de escape para a realidade de pobreza em que vivia no bairro de Santo Amaro, Centro do Recife, e acredita ser fundamental ter histórias escritas por e com pessoas negras.
Segundo Odaílta todo um processo de militância da população negra por políticas públicas permitiu esse avanço também no mercado editorial, criando um ambiente favorável às obras representativas.
A autora esclarece também que a representatividade do povo negro na literatura sempre existiu mas, por muitas vezes, essas obras não chegavam a conhecimento de um público mais vasto.
Incomodada com essa realidade, a jornalista e escritora Jaqueline Fraga criou o projeto “Conhecendo Escritoras Negras de Pernambuco” para valorizar a produção de autoras negras do Estado, dar voz e exaltar o trabalho de nomes que merecem destaque no cenário literário nacional.
Desde muito cedo, Jaqueline demonstra preocupação em inserir pautas raciais em suas produções.
“Acho fundamental que tenha visibilidade a produção de autores e autoras negros, e é justamente por isso que muitos dos meus trabalhos são voltados a isso, especificamente uma pauta que me toca é o da mulher negra, da ascensão e de percebemos que todos os espaços são nossos.”
Jaqueline Fraga
Ao fim de sua graduação, Jaqueline realizou um projeto do tipo reportagem, que foi transformado, no ano passado, no livro “Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho”, sobre mulheres negras pernambucanas de diferentes profissões que atuam em áreas consideradas as mais valorizadas, tanto social quanto financeiramente. A obra também foi uma das indicadas ao prêmio Jabuti 2020 na categoria “Biografia, documentário e reportagem”.
Historiador de formação, Fred Caju ingressou no mundo editorial vendendo seus livros de poesia online. Hoje produz e edita livros artesanalmente em sua editora Castanha Mecânica, e procura sempre publicar autores negros que não encontrariam espaço em outros lugares. Fred corrobora com a ideia de que essas produções sempre foram realizadas.
“Tenho mais de vinte livros publicados e não aumentei minha produção porque o mercado tem obtido mais lucros com narrativas elaboradas por pessoas pretas. Acredito que a literatura de autoria negra sempre esteve aí. seja pela desvalorização e invisibilidade ou pelas demandas do mercado.”
Fred Caju
Para Odaílta Alves mesmo com todos esses avanços, ainda persiste no mercado editorial brasileiro, bem como em diversas outras classes de trabalho, uma falta de diversidade.
Toda a cadeia de produção de livro carece de uma diversidade maior, e é esse é um dos problemas estruturais do setor literário nacional, que acaba incidindo também nos autores que serão publicados e nas histórias que serão contadas, além.
E OS LEITORES?
A importância da representatividade não é apenas para que existam editoras e autores e autoras negros, mas também para que existam leitores e leitoras para esta produção. Para que as pessoas brancas também possam entrar em contato com histórias sobre homens e mulheres negras e consigam enxergar a riqueza de novas visões. Viviane Holanda é historiadora e como leitora ávida acredita que a experiência de entrar em contato com essas histórias e autores ampliou seus horizontes.
De acordo com Viviane, as leituras a fizeram enxergar uma nova perspectiva de problemas que ela já conhecia que afligem a população, além de conseguir por meio das narrativas compreender melhor as lutas e as dores que os negros carregam, o que acredita que seja o maior saldo da representatividade na literatura: a riqueza de repertórios, culturas e visões de mundo.
DADOS IMPORTANTES
- Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, mulheres leram mais que homens, e brancos leram mais que negros em 2019. Foi a primeira vez que a pesquisa adotou um recorte por raça;
- Pesquisa do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) vem colhendo informações dos romances publicados pelas maiores editoras brasileiras desde 2003 com o objetivo de traçar o perfil do romancista e do romance nacional. Os resultados mais recentes são da segunda fase da pesquisa, divulgada em 2018, que analisou livros lançados entre 2005 e 2014 e não diferem muitos daquelas colhidos na análise de romances lançados entre 1990 e 2004, na primeira fase da pesquisa. Apenas 2,5% dos autores são não-brancos e 6,3% dos personagens são declaradamente negros, 6,9% mestiços e apenas 1,1% indígena, contra 77,9% de personagens brancos
- Em julho de 2020, uma das maiores editoras do país: a Companhia das Letras contratou o historiador Fernando Baldraia como editor de diversidade e anunciou a publicação de mais autores negros e disse que levaria em conta o “critério de diversidade” para “demais contratações”
- Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília, analisou 692 romances lançados por 383 escritores brasileiros desde 1965. Dos autores publicados entre 1965 e 1979, 93% eram brancos. O índice subiu para 93,9% entre 1990 e 2004 e para 97,5% entre 2005 e 2014. Já os protagonistas negros eram, respectivamente, 4,7%, 5,8% e 4,5%.
TÍTULOS E AUTORES
Confira algumas histórias publicadas por autores negros brasileiros desde a década de 60, com “Quarto de Despejo” até “Torto Arado”.