O Berro

A geração Z, Instagram e o encarceramento de ideias

O que nossos hábitos online dizem sobre como nos socializamos quando pensamos que ninguém está nos vendo?

Logo depois de um longo dia estagiando em um hospital de olhos, Fabiano Rocha, de 19 anos, passa a maior parte de seu tempo livre usando o seu smartphone, para se entreter, conversar com seus amigos e, também, para trabalhar em seu projeto independente, um site e um podcast que, por serem sediados em plataformas online, dependem de redes sociais para sua divulgação e marketing, principalmente via o Instagram. Porém, necessidade não corresponde a gosto. “Eu basicamente sou o cara mais anti-instagram do mundo. Em 2020, fiquei sete meses sem pisar naquele lugar” aponta Fabiano.

Apesar do ambiente do Instagram não ser agradável para Fabiano, ele continua tendo uma conta pessoal e administrando uma conta empresarial do seu projeto. Atualmente, com o uso das redes sociais crescendo exponencialmente, impulsionado pelo isolamento social e a pandemia, quando as horas de uso de redes sociais chegaram ao pico de 241 horas no Brasil (segundo dados da GlobalWebIndex), acabamos assistindo a ‘positividade tóxica’ e a ‘cultura do cancelamento’ se tornando termos mais recorrentes no dia a dia da geração Z. Apesar de ter nascido já parcialmente inserida no ambiente online, essa geração se vê confusa quando se trata de como reagir de forma madura, ou até mesmo orgânica, dentro de seus perfis. A internet acabou se tornando uma segunda realidade, correndo em paralelo com a vida real e às vezes até mesmo se misturando com ela. Porém, online, temos maior controle sobre a narrativa que imprimimos para os outros à nossa volta. Fabiano conta: “Quando eu estou usando o Instagram, sinto que preciso. Mas quando eu paro, acabo não sentindo falta. É tóxico demais.”

Como se proteger online? de Angélica Costa

No Brasil, 24,3 milhões de crianças e jovens utilizam a internet com muita frequência. Dentro desse número, 93% deles usam majoritariamente o celular e 77% usam aplicativos para aplicativos de mensagens instantâneas e outras redes sociais, segundo dados coletados pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), no ano de 2019. Apesar dos dados não englobarem o período pandêmico, eles nos dão uma pálida ideia de como os hábitos online dos jovens giram em torno, principalmente, da socialização. E, inevitavelmente, essa socialização acaba envolvendo discussões, conflitos e discordâncias, sobre diversos temas, opiniões e, até mesmo, posições políticas, que podem acabar sangrando de forma não muito positiva na realidade desses usuários tão jovens.

Já no caso de Helena Memnco, artista visual e tatuadora de 27 anos, que usa as redes sociais primeiramente como seu canal de venda e portfólio, já teve seu trabalho afetado por reações de usuários que deixaram comentários tóxicos e desagradáveis em seus posts. “Quando posto algum trabalho que envolve meu corpo ou minha ancestralidade, é comum aparecer comentários racistas, preconceituosos… Nem são seguidores meus, são pessoas que só aparecem do nada, geralmente nem tem nada a ver com meu círculo. Só chegam, postam e ficam esperando uma reação.”

Segundo Déborah Capozolli, psicóloga e pesquisadora, especialista sobre as práticas e comportamentos dos jovens em redes sociais, esse costume é reflexo de características emocionais que já apareciam em adolescentes antes mesmo da presença de redes sociais, como o sofrimento existencial. “Essa possibilidade de comportamentos mais agressivos por meio das redes, de algum modo, já se manifestam por meio até da cultura do cancelamento. {…} Essa reafirmação por meio da agressividade já vai encarecendo hábitos e costumes, e a grande questão é não refletirmos sobre isso, construindo um espaço de pós verdades. Muitas vezes, ser você mesmo machuca, porque esse outro não vai te aprovar através da curtida”.

Na opinião de Déborah, a chave para melhorarmos o nosso convívio e hábitos sociais dentro da internet, está no autoconhecimento, autocrítica e no uso consciente sobre como usamos as ferramentas digitais. “Sem essa reflexão, vai se construindo um espaço de encarceramento de crenças e que, esse outro, não pode se portar de forma que não condiz com essa normatividade vigente. Ser agressivo com o outro e o fazer perceber que ele é diferente e precisa ser punido, banido desse espaço. {…} O usuário não se dá conta de que tem algo por trás, e vemos fortemente perigos que são evocados quando não nos damos conta disso. É preciso refletir que a internet não vai mudar mais, não vai regredir. Sem reflexão, a tendência é que a internet nos encarcere ainda mais”.

Repórter:
Angélica Jamhur
Editor:
Ricardo Bezerra

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