O Berro

Os impactos da pandemia de Covid-19 na saúde mental de jovens e adolescentes

A chegada da Covid-19 trouxe uma bagagem de inseguranças, medo, estresse e diversos   fatores sociais e econômicos que, juntos, desencadearam uma sobrecarga emocional, aumento dos sintomas psíquicos e transtornos mentais. De acordo com uma pesquisa divulgada em outubro de 2021 pela UNICEF em parceria com a Gallup, 22% dos adolescentes e jovens brasileiros, com idade entre 15 e 24 anos, informaram que -durante a pandemia-, muitas vezes se sentem deprimidos ou têm pouco interesse em fazer qualquer atividade. Em termos globais, um em cada cinco adolescentes e jovens (19%) se sentem da mesma forma.

O isolamento social, como forma de conter a infecção pelo vírus da Covid-19, e a suspensão das atividades presenciais trouxe à tona fragilidades e receio pelo bem estar de amigos e familiares. O estudante de jornalismo Gabriel Neukranz, de 20 anos, revelou os impactos da pandemia na sua vida pessoal. 

“Meu entretenimento pré-pandemia era simples: eu saía com os amigos para conversar, assistir jogos, ver minha namorada, conhecer a cidade. A pandemia me afetou porque não tinha mais como sair. Eu não era uma pessoa de assistir séries, nem filmes. A pandemia afetou a minha rotina com a faculdade porque eu fiquei meses sem ter aula. Eu vim de um ensino médio turbulento, repeti o primeiro ano, não gostava de estudar e me sentia desestimulado. Quando eu comecei a faculdade, meus 10 dias de aula foram muito bons porque eu tive contato com pessoas da profissão, eu estava em êxtase com o curso. Eu tenho um medo abissal da morte. Não da minha, mas das pessoas que eu gosto. Fiquei muito preocupado com os meus avós e com pessoas próximas a mim”.

Para a psicóloga Chay Camaroti, a mudança da rotina e a interrupção das atividades, acadêmicas ou de lazer, demandou um curto intervalo de adaptação para os  jovens. “Foi uma situação que pediu alguns assentamentos, algumas estratégias de forma muito rápida. Quando a gente fala sobre a construção da identidade, a gente fala de um processo contínuo, ao longo da nossa vida. Mas quando a gente se refere a esse recorte de fase, de adolescência, o que se caracteriza sobretudo é o descolamento do sistema familiar e da vivência acentuada do ambiente doméstico. Há um processo muito intenso de construção de autonomia. Quando se atravessa uma situação como a pandemia, há uma interrupção significativa porque faz com que o adolescente faça um caminho contrário ao fluxo natural do desenvolvimento”, pontua a especialista. 

Durante o período de formação de novos planos de interação, especialistas recomendaram a criação das “bolhas de convivência”, onde era permitido o contato intenso com o mesmo grupo de pessoas, que viviam no mesmo ambiente. Com a ausência da formação dos círculos sociais,  uma nova dinâmica familiar foi instituída para os jovens.

“A gente pode pontuar como principais dificuldades o rompimento abrupto do cotidiano, das atividades e sobretudo do convívio com as pessoas, da rotina de estudos, das festas, relações amorosas e tantas outras atividades comuns dessa fase. Outra questão é a convivência intensa com a família e todos os ajustes. Todas as atividades do ambiente doméstico precisaram ser organizadas para que todo mundo contribuísse. É daí que começam os conflitos familiares, sem contar com aqueles que já poderiam estar existindo”, afirma Chay.

A estudante de comunicação Maria Luna, de 22 anos, contou que a experiência de interação virtual foi difícil e solitária, mesmo que estivesse acompanhada pelos amigos ou colegas de turma através das chamadas de vídeo e aulas online.

“Eu fiquei um bom tempo sem ver os meus amigos, só voltei a encontrar com eles no dia 2 de setembro de 2020 e foi de longe porque só fui entregar um bolo para outro amigo que estava fazendo aniversário. A forma que a gente encontrou para se ver foi através da chamada de vídeo e através de alguns sites que você consegue assistir compartilhando a tela. Ou seja, você assiste ao filme ao mesmo tempo com todo mundo. Com a faculdade também foi complicado porque eu sou uma pessoa que gosta de estar na sala de aula, então ficar em casa, no meu quarto, sozinha, olhando para uma tela, foi uma sensação agridoce. Até hoje eu não curto muito. Só em pensar no retorno da aula presencial, em contato com os professores, amigos, para mim já é uma felicidade imensa”.

A psicóloga afirma ainda que a mudança da conexão dos jovens com o meio virtual também causou desconforto devido à intensidade com que o formato foi introduzido na rotina dos adolescentes.


“Por mais que os jovens já tivessem familiaridade com o universo online, o contato com o mundo virtual também foi intensificado e sofreu ajustes. O modelo era exceção e não regra. Muitos jovens tiveram que se adaptar principalmente pela intensidade em que estavam inseridos. Enquanto até então poderia ser uma questão de escolha de estar diante das telas, no momento da pandemia precisava ser uma obrigação”, explica Chay Camaroti.


Para além da aproximação de idade e de curso, Maria Luna e Gabriel Neukranz também compartilham uma disfunção na saúde. Ambos sofrem com a ansiedade. Mas, com o acompanhamento terapêutico, os estudantes atravessam a pandemia um dia de cada vez.

“Eu era uma pessoa mais resguardada na escola. Desde de 2019 vinha evoluindo, conhecendo novas pessoas, novos círculos sociais. É difícil falar sobre futuro porque pelo fato de ter ansiedade, eu trabalho toda semana com a minha psicóloga para tentar focar no momento. O que dá para falar é: depois de viver isso, eu aproveito cada momento”, afirma Gabriel.

Malu, como costuma ser chamada, revelou como o impacto das notícias no início da pandemia e pressão da por produtividade interferiram na sua saúde mental.

“A gente estava vivendo um ciclo em que só ouvíamos notícias ruins todos os dias e você tinha que continuar trabalhando, estudando, vendo se seus amigos e familiares estavam bem. Eram muitos problemas e eu não conseguia absorver. Eu sofro de ansiedade e é algo que você aprende a lidar a cada dia. Você tem que trabalhar para não sucumbir com aquela situação. Durante a pandemia eu voltei a fazer terapia e me ajudou muito. Se eu não tivesse me cuidado hoje quem estaria falando seria uma Malu diferente”.

Com o avanço da vacinação e o retorno das atividades, hoje se tornou possível relembrar os momentos bons vividos em um formato diferente, em um mundo que ainda não conhecia a devastação de um vírus cruel. É tempo de olhar para frente. Para um mundo ainda reconhecendo os dias de tempestade, com a máscara no rosto, álcool em gel no bolso e vacina no braço para todos

Maria Luna, estudante de jornalismo

Caio Bezerra, estudante de publicidade

Repórteres / Editores:
Ana Carolina Guerra e Ricardo Bezerra

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