O Berro

O meme como forma de de linguagem: as novas possibilidades de algo antigo

Entenda as origens da maior linguagem humorística na internet!

Ponto chave da cibercultura, a cultura da colaboração desde sempre marca a presença das pessoas no virtual. Produtos autorais como as fanfics se impulsionam a partir do feedback de leitores, publicações online se complementam ricamente com debates nas seções de comentários, podcasts moldam parcerias através de mil e uma propostas, indo de debates a narrativas de storytelling. Mas, hoje, é o meme que ilustra talvez o produto que melhor expõe o caráter cooperativo inerente às relações sociais na internet. Apareça como for, em imagem, vídeo, som, o meme se tornou familiar para qualquer pessoa conectada. Em sua lógica comunicativa, com rapidez e simplicidade uma ideia pode ser expressa.

A palavra meme vem da abreviação do grego para “imitação” (mimeme) e soa ligeiramente como “gene”, motivos por que assim se batizou. Dando origem à sua definição inicial, o biólogo evolutivo e etólogo Richard Dawkins aplicou o conceito da seleção natural de Darwin ao seu próprio entendimento de como, de forma semelhante, aconteceria entre os elementos da nossa cultura. Para ele, esses infinitos pontos da cultura humana competem por nossa atenção constantemente, sofrendo mutações e seleções.

O meme ganha força a partir da sua proliferação. É formado de uma ideia que se difunde e replica a partir de dois elementos essenciais: um de constância e outro de variabilidade. Sendo assim, existe algo como uma ideia, brincadeira, piada, sempre se repetindo, e um elemento qualquer disso, variável, que qualquer pessoa pode tomar e repensar, transformar. É uma ideia que se espalha e, à medida que caminha, é incrementada. “O meme é um dispositivo criativo que permite, dentro de uma dinâmica criativa coletiva, porque ele é compartilhado, você ter uma troca, um jogo, uma formação de um determinado processo que se repete e, ao mesmo tempo, se renova a cada versão que as pessoas produzem”, comenta o professor e pesquisador em Comunicação Fernando Fontanella.

Um ponto importante para entender a grande particularidade do meme em relação à antiga piada, além da forma de abordagem, são as possibilidades do seu alcance, assim afirma a professora e coordenadora do grupo de pesquisa Jornalismo e Humor, do Departamento de Comunicação Social da UFPE, Adriana Santana. De acordo com ela, “o meme é aquela piada que ganhou capilaridade, ainda mais escárnio, e essa possibilidade de viralizar”.

A partir disso, os memes disparam pela internet numa circunstância que é própria da atualidade e suas tecnologias. Ao mesmo tempo em que herdam as finalidades humorística e crítica da piada, a existência da conexão virtual entre as pessoas permite que eles se façam únicos ao romper a barreira de tempo e espaço geográfico, fato indispensável para sua capacidade transmissiva viral. Entre os resultados mais notáveis disso, com a variedade multimídia dessa linguagem, está o que nós podemos entender como um intercâmbio cultural incessante de elementos diversos, em meio a trocas de traduções e explicações que contextualizam, dentro e fora de grupos de nicho.

“Digamos que o meme é uma atualização, com possibilidades extremadas, de algo que já é quase inato ao ser humano, que é essa capacidade do chiste, do riso, de fazer graça e pilhéria”, define a pesquisadora.

Proto-memes: muito antes do virtual

Não foi apenas no mundo digital que o meme entrou no cotidiano do ser humano. Mensagens antigas, colocadas muitas vezes como grafites de rua, por exemplo, já se faziam presentes e influentes, apenas em circunstâncias locais e específicas. Forte ilustração é o Kilroy was here (“Kilroy esteve aqui”), frase acompanhada de um boneco que soldados da 2ª Guerra Mundial desenhavam. Surgido nos Estados Unidos, era reproduzido em muros por onde os soldados passavam.

“Como minha família nunca falou sobre o assunto comigo, não consigo falar com eles e me acho muito desinformada, procuro buscar conhecimento mas nem sempre consigo encontrar tudo. Quando me deparo com uma nova informação vejo que ainda há muito que eu não sei ou que nunca me ensinaram”.

No bolso da roupa

O meme, para além do riso, expõe novas práticas de consumo e participação popular. Desde os anos 40, na criação do computador, até a reta final do século 20, com sua chegada aos lares, a tecnologia foi incentivada como extensão do trabalho e essa relação foi sofrendo mudanças com o passar dos anos. “O meme é um dos principais fenômenos culturais que ajudam a gente a explicar como é que ferramentas tecnológicas, que foram criadas para a eficiência do trabalho, são desviadas e viram brinquedo. Isso é uma coisa que permeia toda a história da tecnologia digital e da própria internet”, defende Fontanella.

Com essas mudanças, a máquina passou a ser grande foco de distração, tanto no trabalho como no estudo, especialmente quando coube no bolso do usuário. Por outro lado, abriu horizontes antes impensáveis para a vida cotidiana. A partir daí, a tecnologia passou a ser utilizada de modo que sirva aos mais diversos fins. Para o pesquisador, isso “é uma coisa que na verdade não é nenhuma surpresa, mas o cidadão comum desvia a tecnologia, domestica, traz para o cotidiano dele. O discurso sobre a cultura digital é muito um que vai falar, ou que costumava falar até pouco tempo atrás, de uma lógica da visão produtivista ocidental, do capitalismo”.

O grande apelo e uma nova vida 

Os elementos convidativos nos memes são muitos, como o humor e a crítica, tão íntimos da clássica piada. Mas, potencialmente, o fator-chave para que eles engatem no riso e compartilhamento das pessoas é a relação com o cotidiano. Se o conteúdo representa um sentimento ou experiência de alguém ou comum a um grupo, ou ainda se de alguma forma dá vazão a alguma opinião, é certo que ali vai acontecer uma conexão. “O meme funciona justamente porque se conecta com alguma verdade percebida sobre a vida cotidiana”, pontua o especialista.

Um dos tipos comuns a causar essa identificação, e dos que mais garantem sucesso de reprodução, é aquele em que ideias são ilustradas visualmente, ou até falsamente atribuídas, neste caso sem qualquer seriedade, pela imagem de pessoas que marcaram a memória popular. Às vezes, essas são pessoas que já estão caídas no esquecimento e, também às vezes, algo que surge como brincadeira coletiva na internet termina por oferecer a elas um renascimento midiático e, ainda melhor, uma introdução para novos públicos. É o caso da ex-cantora Gretchen, famosa nos anos setenta e oitenta e que, sendo extremamente compartilhada por novas gerações, chegou a estrelar lyric video, uma espécie de clipe, da cantora norte-americana Katy Perry em 2017 e, hoje, é quem provavelmente melhor exemplifica esse fenômeno. 

Potencialidades assim como riscos 

Por vezes, o meme, mesmo carregado de carga humorística, pode agir como um espelho, refletindo a imagem das intenções de quem o utiliza, sendo elas positivas ou negativas. “A tecnologia não é boa nem ruim, mas ela não é neutra. O que a gente tem que falar é de potencialidades e riscos, e como a gente gerencia isso”, diz Fernando Fontanella.  

No caso de deepfakes, a inteligência artificial cria cenários em que pessoas são falsamente retratadas fazendo coisas que nunca fizeram. Na realidade, essas coisas foram feitas, mas por outras mãos, e então isso é copiado detalhadamente sobre sua imagem.  Com o seu crescente uso, essa tecnologia tem trazido a debate funções que, mesmo ainda em fase inicial tecnicamente, ou ao menos quanto à utilização, abrem brecha para grandes perigos futuramente. 

Outro risco que se relaciona com a lógica dos memes está associado ao cenário sociopolítico. “Eles se tornaram quase um método de emergência da extrema-direita, que não é só dessensibilização, mas como trazem alguns discursos de uma maneira que soa espontânea, inofensiva, engraçada”, comenta Fontanella. E isso diz respeito bastante a um panorama político coletivo em que as pessoas, influenciadas por informações falsas, subjetivismos e revisionismos históricos, perdem controle sobre conteúdos duvidosos difundidos, sejam notícias, sejam memes. 

A educação dos usuários para a utilização das tecnologias deve seguir, compreender e utilizar de forma crítica a informação na era do virtual. Problemas como baixa capacidade de interpretação antecedem a internet, e hoje essa vulnerabilidade parece maior do que nunca. Nesse panorama, aprender a respeito dessas dinâmicas digitais se mostra o caminho mais eficaz para uma relação mais segura com os fenômenos culturais, de memes a fatos noticiados do cotidiano. 

Agora que já conhece a histórias dos memes bença, veja qual mais se encaixa contigo! 

Repórter:
Isabella Ferreira e Luiz Rodolfo Libonati
Editor
Ricardo Bezerra

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