O Berro

Let’s talk about educação sexual, baby!

Quem nunca fez cara de paisagem enquanto assistia uma cena de sexo na TV junto dos pais que atire a primeira pedra!

A educação sexual pode influenciar a vida e as escolhas de todos nós, mas – muitas vezes – o assunto não é tratado com seriedade. A sexóloga Thaisa Alice explica a importância de conversar sobre os temas que envolvem a sexualidade desde a infância. “O papel da escola é importante na colocação de como cada gênero se identifica, sua anatomia, a função do seu corpo, sua transformação e cada fase que o menino ou a menina vai vivenciar ao longo da vida com essas mudanças. Sem falar também das orientações sobre gravidez precoce quando ocorre na adolescência, cuidados com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). A família deve ser o elo maior nesses esclarecimentos, para construir um laço de confiança e ajudar seus filhos a entenderem que o sexo é algo natural, mas que tem o tempo certo de acontecer na vida de cada um. E isso implica muitas vezes em um conflito com seus desejos e vontades, mas quando há um bom diálogo entre pais e filhos, essas sensações são entendidas e bem administradas pelo jovem que teve aquele papo bacana com o pai ou mãe e entendendo que tudo faz parte do crescimento, mas que não deve ser apressando e nem temendo o sexo”. 

Lucas Pinto, de 22 anos, não costuma falar sobre sexo com a família, mas contou com algumas orientações dos parentes.

“Minha família sempre me deu uns toques. Acho que muitas famílias fazem isso, mas só foram toques. Hoje vejo que, mesmo ‘bobos’, eles estavam certos”. Lucas também afirma ter se sentido mais confiante após as orientações e o conhecimento que adquiriu. “Acho que é sempre interessante aprender e, hoje em dia, me sinto mais seguro”.

Ahhh o sexo… às vezes tratado como “conversa de gente grande”, às vezes relacionado a algo malicioso. Porém (pasme!) educação sexual não se trata de falar pornografia, mas de esclarecer questões sobre o corpo, comportamento e até mesmo sentimentos. Apesar de ser um tema polemizado pelos conservadores, o assunto desperta interesse em todo mundo.Tanto é que a série ‘Sex Education’ (Educação Sexual, em português), que se destacou pelo tom educativo mas, ao mesmo tempo, tratou o tema de forma bem humorada e sem tabus, foi, durante um bom tempo, a série mais assistida da Netflix.

Daí a gente vê a importância de conversar sobre o assunto que, infelizmente, ainda não foi naturalizado durante a formação de muitos brasileiros. A estudante de psicologia Maria Cecília Lyra, de 21 anos, não teve acesso à educação sexual e, como o tema nunca foi abordado pela família, precisou recorrer à internet e às aulas de biologia como fontes de informação. “Acredito que, com educação sexual, muitas coisas poderiam ter sido mais fáceis de aprender logo cedo. Eu poderia ter tido acesso a informações de uma forma mais segura e confiável”, afirma a estudante. 

Assim como Maria Cecília, a estudante de ciências da computação Marcela Cavalcante, de 22 anos, também não contou com aulas ou orientações por parte da escola ou dos parentes.

“Como minha família nunca falou sobre o assunto comigo, não consigo falar com eles e me acho muito desinformada, procuro buscar conhecimento mas nem sempre consigo encontrar tudo. Quando me deparo com uma nova informação vejo que ainda há muito que eu não sei ou que nunca me ensinaram”.

Em 2020, uma pesquisa feita pelo pedagogo, escritor e especialista em educação sexual, Marcos Ribeiro, com apoio da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), constatou que 74% dos professores de ensino fundamental I em mais de 139 municípios de todas as regiões do país não tiveram aulas de educação sexual. A partir deste ponto, a gente percebe como a abordagem sobre o conteúdo é pouco desenvolvida no Brasil. Cá entre nós, isso é um problemão já que, hoje em dia, com a exposição às mídias, a divulgação de conteúdos com temáticas relacionados ao sexo podem ser compartilhadas por pessoas que não são especializadas na área. De acordo com a ginecologista Márcia de Oliveira, “a partir do momento que [as questões] são expostas, surgem dúvidas. Pais e escolas devem estar alinhados para responder os questionamentos de forma apropriada para a idade. A educação sexual deve ser apresentada como algo natural, como parte da formação do indivíduo.” 

Está claro que educação sexual é de extrema importância, e que deve ser tratada de forma clara e franca. Na maioria das vezes, pode ser que esse assunto não seja confortável de se conversar em casa, por exemplo, ou se tornar constrangedor até na aula de biologia na escola. Como esquecer das risadinhas e piadas sem graça

dos colegas de classe, né? Isso é devido à falta de naturalidade ao tratar de uma prática que é totalmente comum ao ser humano. 

Tentando educar e orientar os filhos sobre o assunto, a professora Mieja Chang conta que sempre se sentiu confortável ao falar de sexo com os três filhos e tenta abordar o tópico da forma mais descontraída possível, casualmente. “O que mais me preocupo é em falar sobre os métodos contraceptivos, e não por medo que meus filhos engravidem alguém, mas para protegê-los das doenças sexualmente transmissíveis.” Mieja fala ainda sobre como as políticas públicas seriam de extrema importância para os jovens, além da educação básica nas escolas. “Acho que, desde o ensino fundamental, quando as crianças vão criando consciência de seus corpos, a educação sexual deveria ser incluída tanto nas escolas como no diálogo em casa.”

Dá uma olhada nesse vídeo do Centro Marista de Defesa da Infância, é um exemplo de educação sexual voltada para crianças:

Devido a essa falta de orientação, somada ao tabu, a ginecologista Márcia Oliveira exemplifica como percebe a desinformação dos jovens em suas consultas. “As dúvidas mais comuns são geralmente sobre cólica, sintomas pré menstruais, sangramento e gravidez. Talvez por falta de informação, a preocupação com infecções sexualmente transmissíveis, por exemplo, não é muito recorrente.”

Riscos – As consequências da falta de conhecimento são variadas e muito particulares, ainda de acordo com a ginecologista. Destaque para a exposição às infecções sexualmente transmissíveis, que podem ocasionar em uma vida inteira de cuidados e, em casos mais graves, resultar no falecimento do indivíduo. Há também a chance de uma vivência sexual não satisfatória, frustrações na esfera sexual e inadequações sexuais em geral. Há um ponto extremamente importante que também precisa ser grifado neste debate: a importância de identificar se um ato sexual foi consentido ou não, ou seja, saber diferenciar relação sexual de estupro.

Ações do Governo (ou a falta delas)

A falta de políticas públicas para esses jovens é somada à desinformação e propagação de fake news por parte da atual gestão do Governo Federal. Em 2019, durante uma transmissão ao vivo via Facebook, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a retirada de páginas da Cartilha de Educação Sexual, material produzido pelo governo de Dilma Rousseff. De acordo com o presidente, a cartilha tinha “figuras demais” – comentário relacionado às ilustrações sobre uso e descarte de camisinha, além de imagens de genitálias. Na época das absurdas contestações de Bolsonaro, diversos profissionais da área da saúde sexual consideraram o anúncio como um retrocesso, visto que o presidente escolheu impor discursos moralistas sobre o interesse público. 

E não para por aí, antes mesmo de ser eleito, no período em que realizava a sua campanha eleitoral, Bolsonaro e sua equipe popularizaram a expressão “Kit Gay”. Em entrevista para o Jornal Nacional, na Rede Globo, o até então candidato levou uma cartilha chamada “Aparelho Sexual & Cia”, afirmando que a mesma teria sido distribuída nas escolas públicas pelo MEC. Mais tarde, o candidato foi desmentido pela Companhia das Letras e pelo próprio Ministério da Educação. Já sobre o “Kit Gay”, Bolsonaro se referia à cartilha produzida em 2010 pela Escola Sem Homofobia. No entanto, o livro nunca chegou a ser distribuído para os educadores, que receberiam o material a nível de orientação, para combater o preconceito e a violência. A Agência Lupa publicou recentemente uma matéria de verificação sobre o caso, leia aqui.

O sexo em grande maioria das produções reforça vários estereótipos que tentamos quebrar, como por exemplo, a objetificação da mulher e a imposição de um corpo idealizado e 'perfeito'”, declara a estudante.

Esse tipo de fala vinda do presidente é um grande retrocesso na luta dos direitos LGBTQIAP+. Se a educação sexual no Brasil já é precária por si só, quando voltada para a comunidade, ela é praticamente inexistente, já que o pouco que aprendemos na escola é direcionado a relações cis-heteronormativas. 

“Sempre vai faltar materiais educativos para a comunidade e, quando tem, são informações muito contidas e específicas. Com a internet, esse contato fica mais fácil mas comigo, por exemplo, grande parte do conhecimento que tenho foi baseado em conversas com amigos”, comenta o estudante de comunicação, Ariel Sobral. 

Dentre as declarações mais polêmicas sobre o assunto, Jair Bolsonaro afirmou que a orientação às crianças e adolescentes deve ser feita por “mamãe e papai”, sugerindo que os mais jovens não tenham instruções “fora de casa”. Em contrapartida, dados apontam que a maioria dos casos de abuso sexual, por exemplo, acontecem dentro da casa das vítimas, geralmente violadas por parentes e conhecidos. De acordo com a UNICEF, de 2017 a 2020, 180 mil crianças e adolescentes sofreram violência sexual, uma média de 45 mil casos por ano. Essa é mais uma estatística assustadora e preocupante. 

Quando falamos sobre educação sexual, orientamos os jovens a entender sobre seu próprio corpo, e saber em que momento eles podem estar sendo assediados ou violentados. Thaisa Alice explica a necessidade da educação sexual voltada para crianças. “Tanto a família quanto a escola possuem um papel fundamental em abordar assuntos dentro da sexualidade, falando sobre cuidados com sinais de abuso infantil, ensinando a criança a perceber quando isso ocorre, sobre entender o desenho de seu corpo o que é de menino e de menina anatomicamente e saber que não se pode qualquer pessoa tocá-la, independente se é do mesmo sexo ou o oposto, já que muitas crianças acabam não tendo essa compreensão sobre o que faz parte dela e porque é diferente o que o menino tem da menina. São assuntos que, muitas vezes, podem parecer, para os pais, desnecessários e precoces, mas esses esclarecimentos evitam muitos casos de abuso sexual infantil”, declara a sexóloga. 

Sexo na Mídia 

Com a falta de debate e de políticas públicas de saúde sexual, muitos jovens recorrem às produções midiáticas como fonte de informação, o que pode gerar o processo inverso, já que esses produtos não têm a obrigação de educar, necessariamente, e podem difundir ideias distorcidas sobre a sexualidade. 

A estudante Maria Júlia Mota, de 19 anos, também nunca teve aulas educativas e consome conteúdo sexual através de livros, séries e filmes. 

O sexo em grande maioria das produções reforça vários estereótipos que tentamos quebrar, como por exemplo, a objetificação da mulher e a imposição de um corpo idealizado e 'perfeito'”, declara a estudante.

Para Ariel Sobral, estudante de 22 anos, seu maior contato com conteúdo sexual não foi através de aulas ou direcionamentos educativos. “Acho que o meu processo de entender o sexo, o que ele era e como era praticado não veio exatamente de uma tentativa de me educar sobre e, sim, de uma descoberta através das experiências com o mercado quando fui crescendo. Isso inclui desde toques até pornografia”, explica. 

Para a sexóloga Thaisa Alice, o sexo retratado na mídia pode ser um desserviço. “O grande problema, além da exposição sexual gratuita, é a maneira que isso é explorado sem pudor e, na maioria das vezes, nunca abordam o lado ruim, as consequências que podem levar certas relações sexuais. Isso faz com que as pessoas não tenham um senso de responsabilidade sobre o sexo, elas acham que podem fazer tudo e nada acontece. Não se expõem na mídia, em programações, na sua maioria, o que pode gerar, para uma pessoa, o sexo sem responsabilidade”, declara. 

Nós crescemos vendo cenas de sexo envolvendo casais que retratam o ato de forma mais dramática, urgente, com corpos padronizados e tudo terminando da melhor forma: com ambos os participantes atingindo o prazer. Mas, infelizmente, muitas vezes fica só na ficção mesmo. De acordo com um estudo do departamento

de Transtornos Sexuais Dolorosos Femininos da USP, mais da metade das brasileiras não atingem o orgasmo. E isso não acontece por falta de capacidade, já que, segundo uma pesquisa divulgada pela instituição Prazerela em 2018, 74% das mulheres atingem o clímax do prazer sexual através da masturbação. Sendo assim, seja por desinformação, falta de orientação ou conhecimento do próprio corpo, muitas pessoas deixam de sentir prazer na relação sexual. 

Durante a adolescência, era difícil, por exemplo, ver uma protagonista que conseguisse se satisfazer sozinha, sem a necessidade de um parceiro ou parceira. Mas isso vem mudando progressivamente com a popularização do auto prazer, como mostrado em Sex Education, série da Netflix que aborda temas da sexualidade como IST’s, aborto, fetiches e, claro, a tão censurada masturbação. Na primeira temporada da série, a personagem Aimee tem problemas em atingir o orgasmo com o seu parceiro e decide se tocar pela primeira vez. A partir daí, a gente vê a evolução de Aimee na sua busca pelo prazer (sozinha mas satisfeita!). 

A série é um ótimo exemplo de como falar sobre sexo com jovens, trazendo temas que parecem batidos ou irrelevantes, até os mais “pesados” e polêmicos. Sex Education também provoca debates que vão além do sexo em si, abordando o conhecimento do próprio corpo e como essas descobertas podem afetar a autoestima e, consequentemente, a saúde mental do jovem. Sex Education tem 3 temporadas, sendo a última lançada no dia 17 de setembro deste ano. A série também traz temas como insegurança na hora H, despertar sexual, gravidez em idade avançada e por aí vai. 

Outro ponto positivo na série é a naturalidade com que os assuntos são abordados, incluindo temas relevantes para a comunidade LGBTQIAP +, conteúdo que, como a gente já mencionou nesse texto, raramente é debatido em aulas de biologia, onde não há um espaço diverso de compartilhamento e orientações. Diferentemente de muitas produções que negligenciam ou fetichizam cenas de sexo envolvendo pessoas LGBTQIAP +.

Para a estudante Lorena Gouveia, de 21 anos, a visão do homem sobre o corpo feminino, pode vir do consumo de uma “cultura sexual” que não condiz com a realidade, como a pornografia. Um exemplo é o filme Azul é a Cor Mais Quente do diretor Abdelliatif Kechiche, lançado em 2013. O longa é criticado até hoje devido ao teor fetichista da cena de sexo lésbico. Há pouco tempo, as atrizes afirmaram que foram maltratadas durante as filmagens, e que precisaram repetir as cenas diversas vezes, mesmo estando desconfortáveis e machucadas graças a repetição intensa do ato.

“É um sexo feito para homens né, nada ali condiz com a realidade. Ao contrário de Sex Education, eu assisto e acho todas as temáticas e cenas extremamente bem trabalhadas e sensíveis.”, comenta Lorena.

Falar sobre educação parece não ter fim! São diversos aspectos e diretrizes que fazem parte do dia a dia de todos, mesmo que algumas pessoas ainda considerem tabu. Hoje, com a facilidade de acesso às mídias, a exposição pode ser muito precoce. Existem vários pontos que precisamos concordar. Um deles é que, partir do momento que o jovem ‘descobre’ o sexo, dúvidas surgem e os familiares e escolas devem estar alinhados para responder aos questionamentos de forma adequada para cada idade. A educação sexual deve ser apresentada como um assunto natural que faz parte da formação do indivíduo. Até porque, como já dito, sexo todo mundo já fez, faz, ou vai fazer! Se quiser, claro. 

Para trazer um pouquinho mais de conhecimento de forma mais leve e descontraída (porque a gente é xóvem, né!), separamos dicas de alguns perfis de instagram, podcasts e séries que abordam a temática do sexo. Lembrando que é sempre bom consultar um profissional ou alguém que você confia para tirar dúvidas, se liga hein! Ah, quer uma playlist para entrar no clima? Então aqui vai. Servidos?

Repórter:
Caroline Cardilane e Mariana Mota
Editor
Ana Carolina Guerra e Lara Felix

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