Pernambuco plural: um estado que floresceu por conta dos imigrantes

Por Isadora Cavalcanti e Laura Martiniano

O processo de deslocamento de um indivíduo de seu país natal para entrar em outro, com o objetivo de criar uma morada, é chamado de imigração. Esse fenômeno pode ser causado por diversos motivos. Questões envolvendo economia, condições climáticas, desastres naturais, guerras e conflitos e perseguições religiosas ou éticas estão entre os principais fatores que influenciam a mudança.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, o mundo conta com cerca de 280 milhões de imigrantes atualmente. Ainda segundo a ONU, a Europa é o continente que mais recebe indivíduos de outros países. A América fica em segunda colocação, principalmente por causa dos Estados Unidos e do Canadá. Índia, México e Rússia são os países com mais emigrantes, ou seja, os nativos saem do próprio país para viver em outra nação.

No contexto brasileiro, os ciclos de imigração se iniciaram no século XVI, com a colonização europeia e a vinda forçada de africanos escravizados. A partir do século XIX, com a proibição do tráfico negreiro, uma nova onda de deslocamentos começou: pessoas de diversos países vieram ao Brasil em busca de melhores condições de vida, com destaque para a Alemanha, a Itália, a Ucrânia, a Hungria e o Japão.

Ao longo do século XX, o Brasil passou a receber mais imigrantes de países vizinhos, localizados na América do Sul. O Observatório das Migrações Internacionais aponta que, na última década, a maior parte das imigrações vieram do Haiti, da Venezuela e de países africanos, como Senegal e Angola.

O estado de Pernambuco floresceu através das suas imigrações. O processo histórico de imigração na região é muito antigo, conturbado, mas também plural. Começou com a colonização dos portugueses, que trouxeram – de forma forçada – os primeiros imigrantes africanos. Ao longo dos anos até o período contemporâneo, chegaram ao solo do leão do nordeste: libaneses, venezuelanos, haitianos, russos, japoneses, chineses, senegaleses, angolanos e outras nacionalidades. Segundo dados de 2022 da Polícia Federal, existem, no mínimo, 9.856 imigrantes no estado. O número não inclui quem entra de forma irregular, portanto, é subnotificado.

Entre as comunidades de imigrantes presentes em Pernambuco estão a japonesa e a muçulmana. Mesmo não estando entre as mais numerosas do estado, ambas contribuem para para a diversidade da cultura pernambucana e representam uma potência local.

Comunidade japonesa em Pernambuco — 105 anos de história

Os primeiros japoneses a chegarem ao Brasil desembarcaram no Porto de Santos no dia 18 de junho de 1908. Cerca de 781 pessoas, 165 famílias, desceram do navio Kasato Maru e migraram para a região oeste de São Paulo, com o objetivo de trabalhar nas lavouras de café. Só foi permitida a vinda de viajantes casados e com filhos.

O contexto histórico do Japão é muito importante para a compreensão das principais razões que motivaram a imigração japonesa naquela época. Durante a Era Meiji, iniciada em 1868, os impostos cobrados dos camponeses aumentaram consideravelmente, assim, muitos deles deixaram o campo e passaram a habitar a cidade. Com o crescimento da população, houve um forte incentivo ao deslocamento para a América.

No cenário brasileiro, é possível observar um aumento no preço de pessoas escravizadas com a proibição do tráfico negreiro em 1850. Assim, os fazendeiros passaram a contratar mão de obra imigrante para trabalhar nas lavouras. Com os japoneses, eram assinados contratos de três a sete anos. Os trabalhos realizados eram semelhantes à escravidão, com salários baixos e uma carga horária abusiva. Assim, os trabalhadores abandonavam as fazendas assim que seus contratos terminaram, migrando para outras cidades, principalmente em Minas Gerais e no Paraná.

Apesar da história da imigração japonesa no Brasil ter se iniciado somente no século XX, as trocas históricas entre o Japão e Pernambuco são bem anteriores a esse período. De acordo com Maria Oliveira, doutoranda em História na Universidade Federal de Pernambuco e pesquisadora da Coordenadoria de Estudos da Ásia, associada à UFPE, brasileiros eram proibidos de comercializar diretamente com o continente asiático, pois a coroa portuguesa temia perder o controle das rotas de comércio intra-asiático, que eram muito lucrativas.

Na minha dissertação de Mestrado, ‘Pernambuco na Carreira da Índia e as rotas de comércio com a Ásia Portuguesa (séc. XVII-XIX)’, eu investiguei um pouco das relações entre PE e a Ásia e como elas se iniciam com trocas materiais mediadas pelos portugueses no período colonial”, conta Maria. Segundo ela, a promulgação do Édito de Hakata em 1587, que dificultou a presença dos jesuítas no Japão, tornou a presença portuguesa na região bastante complicada.

A pesquisadora acrescenta: “Com a instituição do Shogunato Tokugawa em 1603, os europeus deixam de ser bem vindos no país, até a expulsão completa e o início da política de fechamento do Japão, com exceção da ilha artificial de Dejima, onde holandeses e alguns poucos ingleses, comercializavam por não possuírem interesse em missionar no país”. Dessa forma, os portugueses só conseguem acessar os produtos japoneses por meio de terceiros, durante a ocupação holandesa da costa do Recife. “Essas trocas são mais ‘indiretas’ e se dão principalmente a partir da exportação do açúcar pernambucano para o leste asiático em busca de artigos de luxo como sedas, porcelanas, leques e outros itens”, relata Oliveira. O primeiro imigrante japonês a se estabelecer em Pernambuco foi o Sr. Asanosuke Gemba, em 1918. “A maior parte dos japoneses que imigraram diretamente para o estado chegaram no pós-guerra, e se envolveram diretamente com a atividade agropecuária, diversificando depois suas áreas de atuação”, afirma a doutoranda.

Em 2008, cerca de 200 famílias representavam a comunidade nipo-pernambucana. Atualmente, a presença japonesa em Pernambuco contribui expressivamente para a economia do estado, tanto no Recife quanto no interior. “Além disso, sua presença no calendário cultural do Recife é marcante, com grande atenção aos seus eventos culturais tradicionais, além de eventos sazonais, como mostras de cinema, exposições fotográficas, seminários acadêmicos e mais”, diz Maria Oliveira.

A pesquisadora também menciona que, num comparativo com outros estados brasileiros que possuem comunidades fortes de imigrantes japoneses, a comunidade nipônica de Pernambuco ainda é pequena, e por algum tempo muitos descendentes apresentavam pouco interesse em manter vivas as tradições culturais e a língua, fato que vem mudando gradativamente. “Há maior incentivo por parte de instituições como a Fundação Japão, que publica o Marugoto, material didático utilizado pela Escola de Língua Japonesa do Recife; e como a JICA, que recentemente ajudou a financiar a reinauguração da ELJR”, informa.

A Coordenadoria de Estudos da Ásia, também conhecida como Ceásia, é o centro de estudos do qual Maria Oliveira faz parte. O instituto ajuda a manter a cultura japonesa viva em Pernambuco e tem como objetivo disseminar conhecimentos sobre o tema dentro e fora da Universidade Federal de Pernambuco, organizando diversos eventos acadêmicos. As atividades são divididas nas seguintes curadorias: Assuntos do Japão, Relações Sino-Africanas, Tecnologia e Inovação, Política Industrial e Instituições, Matrizes Energéticas, Segurança Alimentar e Aquisição de Terras, Timor Leste e demais Países do Sudeste Asiático, História da China, Literatura Asiática, e Estudos Coreanos.

Islamofobia e propagação da paz: a realidade da comunidade muçulmana no Recife e seus imigrantes

Quando se pensa “muçulmano”, qual a pimeira palavra que vem à sua mente?
Provavelmente vai ser algo relacionado a bomba ou guerra. A religião islâmica, que tem como adeptos os muçulmanos, é originária da Arábia Saudita, mas como qualquer outra religião furou a bolha e se espalhou pelo mundo. Logo, no Brasil, também há muitos fiéis e no Recife, não é diferente.

Centro islâmico do Recife – Divulgação

É na Rua da Glória, no bairro da Boa vista, no coração da capital do Estado de
Pernambuco que encontra-se o único centro islâmico (CI) da cidade. Em Pernambuco, ao todo, tem dois CI, um no Recife e o outro em Caruaru. O primeiro conta com mais ou menos 100 associados, e dentre eles diversos imigrantes da África e do Oriente Médio.

O Orientalismo é uma corrente de estudo do ocidente sobre as culturas dos países da Ásia. Segundo Henrique Faiani Buongermino, estudioso da Universidade Federal do Pampa, “A perspectiva Orientalista está intrinsecamente ligada com uma visão colonialista, a qual coloca os orientais como “bárbaros” ou “incivilizados”, e é necessário que o ocidente traga a eles tal avanço social”. É a partir dessa visão, que muitas vezes a mídia resumiu e generalizou os muçulmanos como selvagens, estendendo essas consequências até para os próprios brasileiro que escolheram seguir a religião. Situação muito bem resumida por Najdaty Andrade, brasileira, integante do Centro Islâmico do Recife, mas que por seguir o islamismo, utiliza o Hijab e por isso muitos acham que ela é imigrante de algum país árabe. “Nem todo árabe é muçulmano, tem muito árabe que é cirstão, como também, nem todo muçulmano é árabe, tem brasileiro, arentino, paraguaio…”.

(Sub) Missão das islâmicas recifenses

Valquiria Silva, brasileira, também integrante do CI recifense, fala sobre as diversas situações de islamofobia que sofre na rua diariamente. “Chamam muito mulher bomba. ‘Olha a mulher bomba’, a gente escuta sempre”. Ela também contou um caso de agressão, que passou no ônibus, onde duas estudantes puxaram o véu da cabeça dela. Muitas pessoas relacionam as mulheres islâmicas como submissas, mas Najdaty explica que alguns países árabes patriarcais mal interpretam o islam, mas isso é um problema cultural. “Vem de países patriarcais de homens ignorantes, onde muitos não sabem nem lê e interpretam errado o alcorão. Eles têm uma cultura machista de impor, mas isso é cultural e não religioso”.

Mulheres do centro islâmico do Recife – Divulgação

O pluralismo do Centro

No CI do Recife, a grande maioria das mulheres são brasileiras, mas a maior parte dos homens são imigrantes. Muitos vêm de países africanos, como Senegal, Egito e árabe, com o Líbano. Para Add el Rahim Ali Hoblos, libanes imigrante, apesar da mídia fazer propagações negativas sobre os adeptos da religião, ele se considera muito bem recebido pelos recifenses. “Antigamente chamava todo muçulmano de terrorista, mas agora todo mundo sabe que a relegião muçulmana só prega paz e o amor”. O imigrante do Senegal, Aliou Sall, que veio para o município atrás de oportunidade de emprego, diz que, em geral, também se sente bem recepcionado pelos recifenses.

Porém, apesar da boa hospitalidade, Add el Rhaim sente falta de mais apoio do estado. “ Até o nome de Recife vem de origem árabe, Arrecife. A gente gosta da cidade, mas precisamos de mais apoio aqui. Pelo menos um centro islâmico, que já foi prometido, mas nunca cumprido”. Para os dois o Centro Islâmico de Recife é como uma casa, em meio um país com uma cultua tão diferente. “É um lugar bom para pregar a palavra de Deus, e juntar todas as pessoas que querem rezar e agradecer. E a gente só tem essa casa pequenininha”, diz o libanês. “É bom porque podemos rezar juntos e fazer coisas juntos. Venho toda semana”, afirma o senegalês.

Edição: Matheus Emiliano e Rafael Gueiros