Por Daniel Paixão
No bairro de Maranguape I, localizado em Paulista, nasce uma nova realidade através de projetos esportivos que têm transformado vidas. Em meio a um passado marcado por crimes e violência, a comunidade encontra na prática do futebol de várzea uma fonte de esperança e superação. Iniciativas como o Chape C66 e o Mudando o Jogo têm ganhado destaque, evidenciando o protagonismo e o potencial das periferias.
Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o futebol é o esporte mais popular do nosso país, com uma parcela significativa da população, cerca de 39,3%, afirmando praticar ou já ter praticado a modalidade. Esses números ressaltam a importância cultural e social do futebol.
Dentro das comunidades periféricas, em meio às dificuldades impostas pelas ausências de direitos, meninos e meninas, desde de suas infâncias, despertam em seus corações um sonho: “quando eu crescer, quero ser jogador(a) de futebol”. Entre o sonho e a realidade, existem duas grandes barreiras. De acordo com a Revista Brasileira de Ciência do Esporte, a probabilidade de uma criança se tornar jogadora de futebol profissional é de 1,5%.
Enquanto a realização do sonho não concretiza-se, a ociosidade domina a realidade das crianças e adolescentes nas periferias. E como diz o ditado: “mente vazia é oficina de práticas erradas”. Porém, iniciativas como o Projeto Mudando o Mundo e Chape C66 nascem como símbolo de esperança e renovação de propósitos.
No ano de 2017, um grupo de amigos que moravam na Quadra 66, do bairro de Maranguape I, Paulista, se uniram em prol de fortalecer seu território com práticas positivas que pudessem agregar valor para as pessoas. Após uma “pelada” – como são conhecidas as rápidas partidas de futebol nas comunidades -, na associação dos moradores, eles entenderam que, através do esporte, poderiam desenvolver ações para transformar vidas.
Da ideia a ação, surgiu a Chape C66 Futebol Clube. O time iniciou perdendo diferentes campeonatos em que participavam em Maranguape I ou em outros territórios, mas a força e a esperança faziam entender a potência que possuíam para alcançar grandes resultados.
Então, os jovens, liderados pelo Lucas Ruan, mais conhecido como Marrom no território, passaram a dedicar seus esforços para prover de uma melhor estrutura e qualidade nas práticas esportivas. Como resultado, de uma simples e poderosa ideia, passou a ganhar bons resultados: os jovens passaram a estruturar diferentes times com foco no sub-15, sub-20 e profissionais.
Em 5 anos, a Chape C66 passou a colecionar vitórias e, em todo esse tempo, apenas 6 derrotas entraram no histórico, o que fez o time entender que essas “quedas” serviram para trazer bons aprendizados. Para o Lucas, as práticas esportivas têm um papel fundamental para impactar o território.
“Acreditamos muito no esporte. Ele é um meio que salva pessoas de caminhos errados, sem futuro. O esporte é a paixão dos moleques, que sonham em gerar uma melhor condição para a sua vida e impactar as suas famílias. Ele possibilita oportunidade para quem nasce em contextos mais carentes. Os times de futebol de várzea e as instituições esportivas são uma ferramenta de fortalecimento, educação e transformação de vidas”, conta Lucas.
Em 2021, também em Maranguape I, um novo sonho esportivo foi criado: o “Mudando o Jogo”. O projeto nasceu como uma iniciativa esportiva e sociocultural independente, buscando promover uma melhor qualidade de vida para adolescentes e jovens das periferias. Seu fundador, Mário dos Anjos, afirma que é possível superar as adversidades e vulnerabilidades por meio da educação e do esporte na comunidade.
“Quando criamos o Mudando o Jogo foi a partir de uma perspectiva de que a nossa comunidade por muito tempo precisava de um projeto dessa envergadura, tendo em vista que o público infanto-juvenil caminhavam para a direção das margens da sociedade, e por essa lacuna, muitas das vezes eles [os adolescentes e jovens] seguiam para o crime, as drogas, a violência, etc. Logo, passamos a motivar a ocupação através do esporte, da educação e de iniciativas que pudessem gerar possibilidades de futuros dignos”, finaliza Mário.
Rapidamente o projeto passou a impactar mais de 300 vidas de crianças, adolescentes e jovens. A carência e a ociosidade foram combatidas, a partir do processo em que a equipe de voluntários, também esportistas do território, se colocaram à disposição para unir os seus talentos e prestar estes serviços altruístas para o público local.
Essa carência e vulnerabilidade muitas das vezes é refletida nestas comunidades por causa da falta de eficiência do poder público local em desenvolver ações efetivas de prevenção, garantindo os direitos através do incentivo e fomento à projetos de impacto socioesportivo.
É que “o esporte também é política pública”
Como afirma a dissertação de mestrado em Ciência Política de César Machado Carvalho, que buscou analisar o processo de formulação das políticas públicas de esporte no Brasil (SP, 2013), o esporte é caracterizado como uma ferramenta “essencialmente social permeada por uma multiplicidade de relações humanas, políticas e econômicas”. O esporte também tem um importante papel e influência na construção do indivíduo, por causa do despertar da socialização, compartilhamento de valores, propósitos e princípios (CARVALHO, 2019 apud LINHALES, 1996).
O doutor em história e educação e, também, professor de educação física na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, José Luis (ou Zé Luís, como é conhecido), compartilhou a sua história conosco e suas percepções sobre a importância do futebol de várzea no desenvolvimento socioemocional e intelectual das crianças e adolescentes em contextos de vulnerabilidade nas comunidades. Dentro da UFPE, ele criou um projeto chamado “Pirraias da Periferia”, com objetivo de através das práticas esportivas influenciar o público a adentrar e retornar a escola, gerando mais impacto através da educação.
Para ele, o futebol é uma ferramenta de transformação, mas que precisa ser mais valorizado. “Eu acredito que o poder público deveria incentivar e investir mais no futebol nas várzeas. O que tem sido feito [de investimento] é muito pouco. As comunidades querem e precisam dessa oportunidade de prática esportiva, educacional e de lazer para desenvolver suas vidas”, afirmou o professor.
Enquanto apenas as comunidades se mobilizaram para realizar ações em que o poder público não possui interesse político, a relação de crescimento local e desenvolvimento continuará a ser de forma escassa.
Investir no futebol de várzea é, também, efetivar a garantia de direitos dignos.
Tivemos a oportunidade de dialogar ainda mais, no podcast abaixo, com o professor José Luis, junto a Jéssica Angela (jovem de 21 anos, esportista de nascença, moradora da periferia de Maranguape I, estudante e pesquisadora de Educação Física na UFPE) e o Rodrigo Coutinho (Vereador e Secretário de Esportes da Prefeitura do Recife). Abordamos com mais detalhes a importância do futebol de várzea enquanto uma fonte e ferramenta de transformação da vulnerabilidade, gerando vida para quem precisa viver.
Edição: Letícia Lima