Instituto Negralinda: empoderamento feminino e a capacitação do mercado de trabalho nas periferias

Por Vanessa Morais

A chef Negralinda nasceu em 27 de fevereiro de 1988, na Comunidade Ilha de Deus, onde reside atualmente. Negralinda, a primeira filha de pescadores, começou a pescar com seus pais na infância. Logo depois, começou a coletar materiais de reciclagem para auxiliar na composição da renda de casa. Na adolescência, demostrou determinação para realizar uma mudança de vida. Com esta motivação, passou a frequentar palestras, oficinas e cursos que pudessem aprimorar as suas habilidades em prol do seu crescimento pessoal. A partir de uma viagem que fez para a Alemanha através do seu grupo de dança, o apelido “Negralinda” foi criado e usado como seu nome artístico.

Em 2009, retornou ao Brasil com novas ideias e projetos, mas só em 2012 criou o seu Salão de Beleza. Nele, criava peças artesanais e, junto com outras mulheres, comercializava em feiras de empreendedorismo de Pernambuco. Devido ao seus auxilios para as mulheres da sua comunidade na criação e no desenvolvimento de habilidades para gerar renda, em 2014 a chef Negralinda firmou uma parceria com o Empreendedor Social Edy Rocha, no qual participou do Projeto de Turismo de Base Comunitária, na Ilha de Deus. Durante três anos, Negralinda se especializou na área gastrônomica. Após a ocasião, seguiu a realizar treinamentos lapidando sua ambição de vida.

Chef Negralinda – Arquivo Pessoal

Ainda em 2014, Negralinda se tornou amplamente conhecida em diversos meios de comunicação não somente pelos seus pratos, mas também pela sua responsabilidade de empregar jovens talentos. Em 2019, o Bistrô Negralinda foi inaugurado, na Ilha de Deus, no Recife. Em 2020, com a pandemia do Covid-19, o Instituto Negralinda foi inaugurado em conjunto com um grupo de Mulheres Empreendedoras Sociais sob a coordenação de Edy Rocha. Negralinda continuou a sua luta e cursa Gastronomia na faculdade do SENAC. Atualmente, a chef tem gerado renda para toda a sua comunidade através de diversos projetos fornecendo várias fontes de renda para as mulheres de sua periferia.

A seguir, em uma entrevista realizada com a chef Negralinda, diversas temáticas foram abordadas, como por exemplo, sobre feminismo e a geração de empregos nas áreas periféricas.

Quais foram os principais desafios enfrentados como mulher empreendedora durante a criação do Instituto?

CN: O Instituto Negralinda é composto por mulheres empreendedoras sociais que enfrentam diversos desafios. No início, fui resistente. Não queria que o Instituto levasse o meu nome artístico devido ao preconceito e a não aceitação das pessoas em relação ao Instituto levar o meu nome. Em seguida, chegou um momento que foi na época da pandemia, em que não pude mais me concentrar apenas em mim como pessoa enquanto mulher empreendedora. Estaria sendo egoísta com as outras mulheres que precisavam do meu apoio. Foi quando entrei em contato com um grupo de mulheres e com Edy Rocha e, finalmente, fundamos o Instituto. A questão da formalização foi bem difícil porque é necessário ter recursos financeiros, uma vez que não é uma tarefa simples você manter uma instituição na cidade tão desigual do Recife. Acredito que seja o mesmo em outros lugares, mas aqui é muito mais complicado. Graças a Deus, tivemos a oportunidade de fundar o Instituto Negralinda com responsabilidade social.

Chef Negralinda – Arquivo Pessoal

Como as mulheres da periferia podem lutar contra o preconceito, se preparar e se inserir no mercado de trabalho?

CN: Ser a protagonista da sua própria história, demonstrar a diferença e mostrar que somos gigantes. Para ser mulher no Brasil é preciso ter muita resiliência. É necessário ser forte para lidar com todos os obstáculos e enfrentar o preconceito em relação à ser mulher. Tem que ser forte para enfrentar um país com tanta desigualdade e com tanto preconceito em relação à força das mulheres. Por isso, no campo profissional, podemos buscar meios de ensino e capacitação. Assim, temos o acesso facilitado, mas não é simples. A minha opinião é que o processo de se aperfeiçoar é composto pela qualificação para estar pronta para atuar no mercado de trabalho.

O Instituto Negralinda tem contribuído para a transformação da sua comunidade através de projetos sociais. Como pretende continuar a promover esta transformação?

CN: Tenho um negócio, o Negralinda, que contribui para o desenvolvimento de outras pessoas. Isso, para mim, já é uma grande conquista. Dessa forma, acredito que as comunidades, nas quais atuo através do Instituto possa contribuir para que as pessoas também aprimorem o seu território olhando a periferia com um novo olhar. Atualmente, sou referência em termos de gastronomia do mangue, na Ilha de Deus. O Bistrô Negralinda contribui para o turismo e a geração de empregos na cidade. Desenvolver o turismo de base comunitária não é uma tarefa fácil, mas se desejarmos, podemos desenvolver os nossos locais com eficiência com criatividade, inovação e com produtos identitários da região, como por exemplo, o artesanato sustentável e a gastronomia do mangue.

Chef Negralinda – Arquivo Pessoal

Qual a maior dificuldade da mulher periférica ao tentar se inserir no mercado de trabalho? O que pode ser feito para ser um facilitador futuramente?

CN: A maior dificuldade da mulher periférica quando vai acessar o mercado é a qualificação. Com isso, existe o preconceito, né? O racismo estrutural existe! Tem muitas mulheres que omitem e diz que mora em outro endereço para não dar o local da sua periferia. Dizer que mora em uma comunidade pode até perder a oportunidade de acessar o mercado justamente pelo local que você mora. De  vários fatores que interferem nesse acesso ao mercado, eu acho que quando a gente fala de ser um facilitador temos que apostar na educação. Tem que investir na qualificação que é muito importante para que a gente tenha a oportunidade de ir para o mercado de trabalho ao fazer cursos em diversas áreas porque nem sempre a gente consegue atuar no que a gente quer, então a gente pode facilitar dessa forma. Educação é o caminho para o futuro.

O empoderamento feminino é o processo de conscientização das mulheres para reivindicarem seus direitos, garantindo que possam estar cientes da luta pela total igualdade entre os gêneros em diversos contextos sociais. Como nós, em sociedade, podemos contribuir nisso?

CN: Em relação ao empoderamento, acredito que seja um processo individual, mas quando as mulheres se juntam, elas têm a capacidade de empoderar as outras. Em termos de contribuição à sociedade, podemos contribuir de forma eficaz, ministrando palestras, oferecendo cursos para que elas desenvolvam suas habilidades e talentos. Muitas mulheres sentem a necessidade de fazer algo, porém, às vezes, não têm a oportunidade. Quer contribuir de alguma forma? Ensine-as a fazer algo para que elas possam se desenvolver profissionalmente e pessoalmente. Enquanto sociedade, podemos desenvolver ações que levantam a autoestima da mulher porque tem muitas mulheres periféricas que são muito jovens e mães. `Às vezes, esses contextos são obstáculos para o crescimento profissional. Precisamos de ações que visam o empoderamento feminino para proporcionar holofotes para as oportunidades da melhor maneira possível.

De que forma o Instituto contribui para o fortalecimento do empreendedorismo e o mercado de trabalho no ambiente periférico?

CN: Dentro do Instituto a gente vai qualificando as mulheres. Há muitas que chegam perdidas e, por outro lado, existem muitas que já vêm sabendo o que querem. Nós ajudamos a precificar o seu produto ou a criar o seu produto com a sua identidade e o seu protagonismo. Então, ensinamos os caminhos do mercado, e também oferecemos acesso a ele. Empreender não é uma tarefa simples, principalmente quando somos mulheres de comunidade e pretas. O difícil do empreendedor é você comercializar o produto. Por isso, existem muitos artesãos com produtos parados. Então ensinamos os melhores caminhos em relação a parte de gestão.

Para você, como você explica o impacto que o Instituto Negra linda vem causando nas periferias?

CN: Não sei como explicar o impacto que o Instituto tem causado hoje, mas criamos uma instituição de responsabilidade social. Temos muito comprometimento com as nossas mulheres. Os projetos do Instituto são patrocinados senão, não seria possível executar as aulas. Não é fácil, mas com o nosso jeitinho de falar a mesma língua que as mulheres periféricas, conseguimos conquistar isso. Estamos fazendo um bom trabalho e estamos causando impacto. Isso é credibilidade! Entregamos o que prometemos. Honramos o patrocínio que recebemos e a gente honra a boa vontade da mulher ao participar da nossa qualificação no qual dura três meses.

Chef Negralinda – Arquivo Pessoal

Quais são os maiores desafios do empreendedorismo feminino nas periferias?

CN: Em relação aos desafios da mulher periférica, são muitos. Logo, não há uma solução fácil para nós. Além disso, enquanto prova viva dessa história, o acesso também revela muito do seu local de moradia. Sua localização também é importante para todos que visitam a comunidade para comprar o seu produto. Se não tiver um sistema de delivery, você não venderá. Não poderá acessar feiras. Então, nossos projetos do Instituto têm muito a ver com esse espaço e com esse acesso que a gente precisa no mercado. Uma empreendedora só talvez não consiga comprar um stand numa feira em espaços para comercializar, mas quando estamos em grupo de dez, trinta ou cinquenta mulheres, é muito mais tranquilo conseguir acessar esses espaços difíceis para todas.

O que a mulher periférica precisa fazer para fazer parte do Instituto Negralinda para ser capacitada para o ambiente de trabalho?

CN: Precisa só se inscrever pelo site do Instituto Negralinda. A nossa atenção é voltada para o público de mulheres periféricas, quilombolas e de comunidade ribeirinhas que não têm acesso facilitado aos cursos caros que existem no mercado. É um Instituto que procura facilitar os estudos para mulheres que não têm condições financeiras de fazer um curso de qualificação. A mulher só precisa ficar ligada na temporada de inscrição que a gente lança o projeto no site do Instituto Negralinda. Lá, poderá se inscrever nas três modalidades que são gastronomia, artesanatos e turismo.

Edição: Matheus Emiliano