“The dark side of the tech”: dados pessoais e sistemas inteligentes podem se misturar?

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O lado convidativo das inteligências artificiais também pode ser destruidor

Input – “Como a inteligência artificial pode roubar dados pessoais dos usuários dessa tecnologia”. Imagem: DALL-E/Canva.

Com o avanço da era tecnológica, a inteligência artificial tem se tornado um assunto muito discutido pela população. Não é à toa que muitas pautas em diversos locais de trabalho têm sido focadas em inovação e tecnologia. 

Em dados disponibilizados pela Agência FAPESP, em 2018, a inteligência artificial estaria sofrendo um crescimento exponencial. E as pesquisas estavam certas: hoje, IA é um dos assuntos mais comentados desde a popularização de inteligências como o famoso ChatGPT. Mas, aos que não entendem ou não possuem tanto acesso à informação, o que seria a tal da “inteligência artificial”?

Esse mecanismo pode ser definido como “uso de modelos computacionais para a resolução de problemas por meio de aprendizado de máquina. Podem-se citar: comunicação em linguagem natural, reconhecer e manipular objetos, automatizar raciocínio”, afirma Robson Lins, doutor em ciência da computação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em linguagem simplificada, a IA seria como um auxílio na resolução de problemas de diversas áreas do conhecimento.

Inclusive, se pedir para o ChatGPT dar a mesma definição, se tem o seguinte: “A inteligência artificial refere-se à simulação de processos de inteligência humana por meio de sistemas de computador. Ela envolve a capacidade de máquinas aprenderem, raciocinarem, tomar decisões e realizar tarefas que, de outra forma, exigiriam inteligência humana, como reconhecimento de padrões, processamento de linguagem natural e resolução de problemas complexos. A IA tem aplicações em uma ampla variedade de campos, incluindo robótica, assistentes virtuais, diagnóstico médico, veículos autônomos e muito mais”.

O que a população não tem conhecimento — nem as empresas dessas IAs fazem questão de divulgar — é que as inteligências artificiais possuem um banco de dados. 

“Geralmente esses dados são armazenados para serem utilizados por inteligência artificial. Eles são armazenados em diversos formatos e locais. E também nós temos o sistema de armazenamento na nuvem, no qual você tem acesso a dados que estão hospedados em computadores remotos, que você consegue manipular e acessar. Então esses sistemas de IA podem acessar esses dados tanto localmente como remotamente”, explica Iago Rodrigues, doutorando em ciência da computação pela UFPE. 

Iago também detalha o porquê disso vir a ser uma dificuldade futuramente. “Tem um grande problema que é a questão da privacidade, da segurança e também da ética. Se os dados não forem protegidos, podem ocorrer violações e também ataques cibernéticos, podendo comprometer a integridade dos dados e também a segurança. Podem ocorrer vazamento de informações, hackeamento e exploração de dados pessoais”. 

Qual é o limite da ética?

Em 2023, foram registradas mais de um milhão de vítimas de vazamento de dados em todo o país, de acordo com reportagem especial do Fantástico, da TV Globo, transmitida em 7 de maio de 2023. O que se pode pontuar, também, é que o Brasil está entre os países que mais sofrem com ataques cibernéticos no mundo, roubo de dados pessoais, além de ransomwares (os sequestros de dados, em tradução livre). Algumas empresas estão, inclusive, proibindo o uso de IAs para a reescrita ou otimização de relatórios empresariais, visto que esses ficam armazenados no banco de dados das inteligências.

Apesar dos benefícios, nem tudo é um ponto positivo quando se trata de inteligência artificial. O avanço da era tecnológica, como já citado, e a digitalização de serviços, tornaram as pessoas serem mais suscetíveis aos ataques cibernéticos. 

“A ideia da digitalização é uma coisa maravilhosa, mas conforme a comunidade de usuários vai crescendo, também vão surgindo problemas que outrora eram desconhecidos. Então, na medida que os usuários estão adentrando ao mundo digital, os golpistas também. Tudo depende do computador, do celular, né? Para receber um auxílio, você precisa ser cadastrado no programa, como exemplo. Enfim, tudo isso. Então golpistas também estão se informatizando”, detalha o professor Iago.

Os golpes cibernéticos, em sua maioria, acontecem sem aviso prévio. Mas, como assim “sem aviso prévio”? 

Existem alguns golpes que chegam por SMS, mensagem no WhatsApp, ou até mesmo e-mail. São aqueles que as pessoas conseguem desconfiar um pouco do que seria o golpe. Porém, alguns já chegam com ameaças, citando todos os dados pessoais de uma pessoa, como foi o caso de Lawanne Arruda, de 22 anos.

“Eu recebi e-mails aleatórios o tempo todo, só que teve um específico que eu recebi que foi um e-mail, tipo ameaçando expor fotos minhas pessoais na internet. Em troca, cobrava R$ 5 mil. Eu nunca fui de acreditar nesses golpes, mas isso me deixou um pouco nervosa, porque ele tinha meu e-mail, ele tinha meu nome completo, ele tinha meu CPF. Só que são dados que são disponibilizados abertamente na internet, em qualquer site,” expõe Lawanne. Ela ainda conta que, após relatar o ocorrido para alguns amigos, um deles contou que sofreu o mesmo golpe e que, dias depois, foi relatado que uma plataforma, na qual ambos eram cadastrados, teria sofrido vazamento de dados pessoais dos clientes.

Algumas plataformas abusam da coleta de dados pessoais. Quando isso acontece, uma questão importante a se levantar é: qual a linha tênue entre a ética e o antiético? Até que ponto é preciso entregar dados pessoais? Qual a finalidade de entregar meus dados? Empresas como a Apple e Samsung já estão se prevenindo quanto ao uso de inteligências artificiais. O uso do Chat GPT para a reescrita de formulários ou questões que expunham os dados da empresa foi proibido, justamente por terem conhecimento do banco de dados desses sites. 

O abuso de coleta desses dados não fica apenas on-line, ou seja, não existe apenas dentro da internet. No país, existem lojas — a exemplo, farmácias e mercados — que sugerem cadastros para ter acesso aos descontos exclusivos. Assim, os dados pessoais dos clientes, no entanto, são a “moeda de troca” para a aquisição desses benefícios. Um sistema criado para reduzir a coleta de dados em excesso é a Lei n° 13.709/2018, correspondente à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que protege os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo. De forma simplificada, alguns dos princípios da lei são os seguintes: a empresa deve justificar por que esses dados estão sendo coletados, qual é o dado que estão coletando e qual a finalidade.

Mas, como ficam aqueles que estão comprando o mesmo produto e se recusam a entregar os mesmos dados? O que difere que uma pessoa merece ganhar mais descontos que a outra? Esta prática ficou tão recorrente que foi-se criado um Projeto de Lei (nº 2894/2022) para esses casos, alegando que muitas empresas estariam agindo de ‘má fé’ ao fornecer descontos exclusivos em troca de dados pessoais. 

“Isso vai contra a Lei Geral de Proteção de Dados, vai contra o código de defesa do consumidor. Porque isso representa uma espécie de chantagem, uma espécie de utilização de solicitar um determinado dado em função de um desconto, quando na verdade ele teria que dar um desconto porque tem que dar um desconto. Você não tem que dar um dado pessoal seu para conseguir um desconto específico”, explica Paloma Saldanha, doutora em direito e tecnologia da informação pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

A questão é que não é proibido, mas não se deve cobrar dados pessoais para finalidades específicas nas quais o cliente se sente na obrigatoriedade de disponibilizar dados para usufruir de benefícios. 

Esse cenário levanta questões éticas e de privacidade, pois muitos consumidores podem se sentir desconfortáveis ao compartilhar informações sensíveis, mesmo que a prática não seja explicitamente proibida. É fundamental considerar a transparência nas práticas de coleta de dados e garantir que os usuários tenham o controle sobre as informações que compartilham, promovendo assim uma relação de confiança entre as empresas e seus clientes.

Assista ao vídeo abaixo para entender mais sobre o assunto.