Integrantes do coletivo Sargento Perifa, na Zona Norte do Recife, contam sobre a inserção da comunidade neste aspecto.

Em um planeta cada vez mais conectado, a inclusão digital emerge como uma questão urgente, revelando disparidades significativas no acesso à tecnologia e seus benefícios. A inteligência artificial, promissora em muitos aspectos, também ressalta desafios consideráveis quando se trata de equidade, demonstrando de maneira ainda mais arrebatadora a escassez de aproximação da população mais pobre a “novidades” do mundo digital.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação, a Pnad TIC, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 28,2 milhões de brasileiros de 10 anos ou mais de idade não usavam a internet; desse total, 3,6 milhões são estudantes. Esses números são do ano de 2021, mas, dois anos depois, o cenário não teve evolução tão significativa.
Uma prova viva disso é Martihene Oliveira, co-fundadora do Coletivo Sargento Perifa, localizado na comunidade da Linha do Tiro, Zona Norte do Recife. Jornalista por formação, Martihene decidiu dar início ao projeto em maio de 2020, com a intenção de apresentar ao mundo a cara da comunidade de uma maneira diferente do que a mídia tradicional mostra constantemente e, além disso, elaborar iniciativas que acrescentassem algo de positivo aos moradores do Córrego do Sargento.
Dentre as iniciativas, está o Perifa Cast — o podcast do Sargento Perifa. Produzido pelas próprias crianças e adolescentes que compõem o coletivo, o podcast é um dos instrumentos que servem para aproximá-los do universo digital. No entanto, no dia a dia, muitas das pessoas envolvidas no coletivo não têm acesso a esses meios.
“A gente ainda tem muitos moradores que não têm acesso a este universo, que não têm nem um celular”, afirma Martihene, mencionando, ainda, que o uso que essas pessoas fazem da internet é, na maioria das vezes, recreativo, com as redes sociais. “De todo jeito, eles não enxergam esse processo de inclusão digital. Se você falar, as pessoas talvez nem saibam o que é isso”, completa.
A falta de acesso à internet e dispositivos eletrônicos é uma barreira que perpetua a exclusão digital, marginalizando comunidades inteiras. Esse fosso digital não apenas limita o acesso à informação, mas também restringe oportunidades educacionais e profissionais.
Essa é a exata realidade vivenciada por muitas famílias daquela área. David Nascimento, cientista de dados do Sargento Perifa, relembrou que na época da pandemia da COVID-19 muitas crianças não conseguiam assistir às aulas on-line, por terem apenas um celular em casa.
“Tinha criança que estava estudando e a aula à distância era só pelo celular da mãe, mas a mãe tinha que trabalhar, também tinha que se comunicar com o patrão. Então como é que ficava o estudo dessa criança?”, contou David, que foi um dos realizadores do Censo do Perifa, em 2022, promovido pelo coletivo na localidade ao redor.
David relatou, ainda, que muitas famílias sequer sabiam o que era e-mail, por exemplo.
“Durante a pandemia, a Prefeitura do Recife criou o aplicativo Conecta Recife, onde as pessoas se registravam para começarem a se vacinar, e o aplicativo exige que você tenha um e-mail pra poder fazer o cadastro. Muitas famílias não tinham e-mail, outras faziam cadastro com e-mail fictício, e algumas até tinham, mas não sabiam o que era”, rememorou.
Segundo ele, tais limitações e a falta de conhecimento da tecnologia são dados alarmantes.
E de fato são! A necessidade de ações coordenadas entre governos, setor privado e organizações sem fins lucrativos é evidente. Iniciativas para expandir a infraestrutura digital, fornecer treinamento em tecnologia e promover políticas inclusivas são fundamentais para combater a exclusão digital. Além disso, a conscientização sobre os desafios éticos relacionados à IA é crucial para moldar um futuro tecnológico mais justo.
Infelizmente, esta ainda é uma realidade distante dentro do universo da periferia, tendo em vista que, por parte do governo, não são vistos muitos projetos voltados para a inclusão digital do povo periférico. Martihene destacou que no Recife, um dos grandes polos tecnológicos do Brasil, a comunidade permanece esquecida.
“Aqui em Recife temos o Porto Digital que investe horrores até para levar brasileiros para fora do país, para trabalhar com tecnologia, com inclusão digital, como eles dizem, mas falta essa inclusão dentro da periferia. É a Prefeitura do Recife com Conecta Recife, com essa parceria com o Porto Digital, com isso, com aquilo, mas ainda não olha para a periferia com esse olhar”, pontuou.
A busca pela inclusão digital e pela utilização ética da inteligência artificial não é apenas uma questão técnica, mas uma imperativa social. A sociedade global precisa avançar coletivamente para garantir que os benefícios da revolução digital e da IA sejam acessíveis a todos, independentemente de sua localização geográfica ou condição socioeconômica.
Assista ao vídeo abaixo para entender mais sobre o assunto.