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Meu nome é Brenda Gomes e eu tenho um sonho

Luiz D´Castro

Antes de tudo, devo justificar a você leitor, porque a história da entrevistada Brenda Gomes, de 26 anos, se encaixa nesse texto. Durante a produção da reportagem principal pude ouvir vários depoimentos de pessoas que por alguma razão tiveram experiências boas e ruins com o Porto Digital. No entanto, o que mais me chamou atenção na maioria dos relatos foram os pedidos de socorro, que se traduziam quase sempre assim: “Ei, nós existimos e merecemos oportunidades!”. Apesar de muitos desistirem das entrevistas durante o percurso, mesmo resistente, Brenda aceitou participar. Por isso, resolvi contextualizar alguns momentos da vida dessa jovem que é nascida e criada na comunidade do Pilar. 

Órfã de mãe há nove anos, chefe de família, cuida do pai (de 73 anos), que é aposentado e tem problemas de saúde. Mora com o irmão e sua filha de apenas três anos. Para ajudar no sustento da casa, Brenda também faz o uso da pesca, que pratica nos horários convenientes de sua dura rotina. Além disso, quando realiza alguma atividade fora do cotidiano, seja um trabalho ou até mesmo estudar, a pescadora ainda encontra muitas dificuldades: mãe divorciada desde os dois meses de gestação, e sem ajuda da paternidade, é a única responsável pela criação e educação de sua filha, que estuda numa creche próxima de casa, das 7h da manhã às 17h da tarde.

Brenda às vezes não tem o apoio da instituição devido aos vários problemas existentes na infraestrutura do prédio. 

“A creche, infelizmente, não cumpre sempre com suas atividades. Diz uma coisa, mas a realidade é bem diferente. Todos aqui sofrem com o descaso que nos acomete em não ter o básico com falta de água e energia. Paralisam atividades para realização de reuniões, tanto faz ter ou não o auxílio da creche. Porém, prefiro não entrar em mais detalhes”, ressalta.

Segundo Brenda, diante de todas as dificuldades provocadas pelo mau funcionamento da creche, ela tende a procurar auxílio de terceiros para o cuidado  de sua filha, quando é necessário trabalhar, mas não se sente à vontade e, infelizmente, perde oportunidades de trabalho que ajudem na renda financeira do seu lar.

“As pessoas daqui não tomam conta direito dos filhos dos outros, assim como eu gostaria. Então, para ver minha filha jogada, eu prefiro não deixar na mão de ninguém. Eu mesma cuido”, afirma, justificando que essa é uma das razões que lhe impede de ir em busca de seus objetivos. 

Brenda até tentou ingressar no projeto Pilar Universitário, parceria do Porto Digital com o Senac, no ano passado, para cursar gastronomia, no período da manhã, mas infelizmente não deu continuidade. Ela conseguiu participar da primeira palestra informativa sobre a capacitação. Insatisfeita, Brenda Gomes recorda que deixou seus dados, mas não teve retorno para saber o dia específico da inscrição.

“Quando eu fui ver, já tinha entrado muita gente, aí eu disse: mas, rapaz, eu fui para a palestra, frequentei tudinho e essas pessoas que não compareceram foram selecionadas?”, desabafou, questionando sobre os seus direitos. 

A pescadora não desistiu de persistir e, na edição do REC’n’Play de 2023, conseguiu falar com o atual presidente do Porto Digital, Pierre Lucena, na tentativa de realizar seu sonho de cursar enfermagem. Na ocasião, além de reafirmar que perdeu a oportunidade de ingressar no curso devido a um erro da instituição, ela deixou novamente seus dados para obter um retorno. Dias depois, a empresa de tecnologia entrou em contato, informando-a sobre uma possível vaga no curso técnico em enfermagem, em parceria com o Real Hospital Português.

No entanto, ao chegar no escritório do parque tecnológico, Brenda recebeu uma notícia desagradável: houve uma mudança na oferta das vagas, restando apenas o curso de gastronomia no turno da noite.

“Eu acho que o erro foi deles. Eu me inscrevi e disponibilizei meu horário, e eles não consideraram minha condição desde o início”, pontuou Brenda, referindo-se aos diversos erros de comunicação que acabaram prejudicando sua oportunidade de ingressar no curso.

Praticamente desmotivada, Brenda desacredita do seu sonho em poder um dia se qualificar nas áreas de saúde ou de gastronomia. “Eu não vou mentir para você, não. Se eu tenho meu pai, que é idoso, eu tenho mais é que ficar na parte da noite com ele em casa. Então, foi isso que ficou complicado, infelizmente eu perdi. Então, estou aqui sem faculdade, triste, na beira da amargura, mas enfim, essa é a história”, completou.

Minha relação de entrevista com Brenda durou, em média, duas semanas. Infelizmente, devido à urgência na produção da reportagem, nossos horários não coincidiam, o que fez com que os encontros fossem realizados de forma remota. Essa situação dificultou a construção de confiança em nossos diálogos, resultando em uma certa resistência da entrevistada em fornecer mais informações. Nesse momento, propus uma reflexão sobre tudo o que ela havia me contado, assegurando que minha intenção era apenas dar-lhe espaço para expressar seus sentimentos. Em seguida, Brenda descreveu o comportamento do Porto Digital no anúncio do projeto:

“Na verdade, eu acho uma injustiça, tanto comigo quanto com as outras pessoas. Veja bem: eles apareceram numa reportagem de TV, de jornal, isso e aquilo para chamar a atenção, só para poder ganhar manchete em cima do povo da comunidade, para mostrar que estavam ajudando as pessoas. Realmente, muita gente teve oportunidades de participar, mas no meu caso foi completamente diferente”, desabafou, visivelmente aborrecida.

Durante a conversa, informei a Brenda que procurei diversas vezes o parque tecnológico em busca de algum posicionamento sobre essa relação, que parecia ter um certo distanciamento com os comunitários, mas não obtive resposta. Não muito surpresa, ela retomou o assunto do evento REC’n’Play com mais detalhes: “Se eles não responderam a vocês, imagine a gente? No REC’n’Play mesmo, fiquei indignada. Eles selecionaram algumas pessoas daqui da comunidade para trabalhar nas barraquinhas e outras na produção. Ninguém teve treinamento, foi tudo em cima da hora, sem nenhuma coordenação. Eu mesma fiquei com uma barraca; o primeiro e segundo dia foram um desastre. Quando comecei a falar a verdade, no terceiro dia, colocaram umas mulheres para nos auxiliar”, compartilhou, sobre suas experiências.

Ao concluir nossa entrevista, Brenda se aprofundou mais sobre o tratamento recebido do Porto Digital. Um dos episódios mencionados foi a falta de energia no local das barracas, que resultou na perda de mercadorias de algumas pessoas, causando prejuízos. Ela chegou à conclusão de que o parque tecnológico não se importa com a comunidade do Pilar como deveria: “Eles dizem: ‘Vamos dar prioridade à comunidade do Pilar porque as pessoas são carentes, é de periferia, estão precisando.’ Isso é apenas para todos saberem que eles fazem algo, mas no fim, a gente não vê nada disso. Inclusive, as dificuldades que eles colocam para realizar o processo seletivo dos cursos. Depois, eles ligam pedindo para chamar todos da comunidade que queiram participar. Todo mundo ficou revoltado e não foi por isso. Para falar a verdade, nenhum dá prioridade, nem a própria Prefeitura do Recife”, finalizou, com a certeza de que a população periférica sofre com o esquecimento das autoridades.