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A incerteza para quem mora de aluguel na Comunidade do Pilar

ALVARO TORRES

Vera Barbosa tem mais de um ano vivendo nessa condição e não tem
direito assegurado a não ser ter de buscar outro lugar para morar

Dona Vera Cristina Barbosa, de 61 anos, é viúva, pensionista e mora com a filha e duas netas. Atualmente, ela reside na Comunidade do Pilar, na Rua Primavera, em uma casa azul de um vão único ao lado do muro da antiga fábrica da Pilar. Vivendo de aluguel, dona Vera busca há 15 anos uma casa própria no programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, e tenta conseguir tal moradia através dos órgãos habitacionais do Governo do Estado de Pernambuco e da Prefeitura do Recife. Vera se mudou para o Pilar para viver perto do filho, que também mora na comunidade.

Dona Vera está em tratamento de câncer de mama, mas apresenta boa saúde. Viúva há 25 anos, ela vive fracionando o dinheiro para alimentar a família e pagar o aluguel de R$ 250: “Pretendo, um dia, ter o meu cantinho e deixar de pagar aluguel. Porque já tira uma parte do orçamento, que a gente não pode, né? Minha filha paga o aluguel com o Bolsa Família e eu gasto minha pensão com comida para dentro de casa”, relata.

Com a proprietária prestes a ser indenizada pela Prefeitura do Recife, Vera já iniciou as buscas por um novo lugar para viver: “Quando ela for indenizada, a gente vai ter que procurar uma moradia, porque aqui será tudo demolido pela Vitarella, que parece ter comprado essa fábrica da Pilar. Vou ter que procurar um apartamento para alugar. Já estamos em busca. Já vieram medir a casa, o orçamento que a dona da casa gastou, tudinho, e essas informações já estão com a URB (Autarquia de Urbanização do Recife)”, afirma. Vera alega que não pode se mudar da comunidade por causa das netas estarem matriculadas na creche, que ela considera tranquila.

O Programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, foi criado em 2009, durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o intuito de ser uma política pública que garante o direito à moradia para a população mais carente e/ou para pessoas que não conseguem financiar a compra da casa própria. Durante os dez primeiros anos, o Minha Casa, Minha Vida entregou milhares de imóveis pelo Brasil, inclusive em Pernambuco, porém, foi alvo de escândalos de corrupção e falsidade ideológica apontados pelo Ministério Público Federal, em fevereiro de 2019, com o indiciamento de dezesseis pessoas. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Minha Casa, Minha Vida foi renomeado para “Casa Verde e Amarela”, voltando a ser chamado pelo nome original em fevereiro de 2023. Desde a fundação do programa, Vera, que se inscreveu ainda em 2009, espera conseguir um imóvel em seu nome.

Vera já foi à Companhia Estadual de Habitação e Obras de Pernambuco (CEHAB) e à Prefeitura do Recife várias vezes para reivindicar a promessa do programa Minha Casa, Minha Vida. O que ela diz ouvir é que precisa continuar esperando por mais tempo, pois uma unidade ainda não foi autorizada para ela: “Eu já fui lá na URB, a menina me inscreveu e mandou eu aguardar, aí não sei como vai ficar. Sou inscrita desde 2009, tenho até o papelzinho (o recibo de inscrição no programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal). Já fui lá este ano e a mulher disse que ia ver o que podia fazer. Aí estou aguardando eles ligarem para mim, para meu filho ou para minha filha”, alega.

Atualmente, o Governo de Pernambuco implantou, na gestão da atual governadora Raquel Lyra (PSDB), um programa de política habitacional chamado “Morar Bem Pernambuco”. Ele funciona de forma similar ao Minha Casa, Minha Vida, financiando imóveis para facilitar a compra da casa própria, com recursos oriundos dos cofres do Estado e obras financiadas pela Caixa Econômica Federal. O Morar Bem Pernambuco possui várias etapas e esferas, mas é aberto para qualquer pessoa que queira um financiamento no site da CEHAB. Na modalidade “Entrada Garantida” do programa estadual, o financiamento para o comprador chega a até R$ 20 mil.

Ao contrário do município, os governos Federal e de Pernambuco possuem políticas habitacionais que garantem o direito à moradia digna previsto na Constituição Federal de 1988 e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, regida pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1948. No caso do Recife, a cidade possui um déficit habitacional enorme. De acordo com uma pesquisa da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional de Pernambuco (FASE-PE), em 2022, o número chegava a 71.160 moradias, e a cidade não tem espaço para a construção de todas essas unidades. Esse dado está no Plano Local de Habitação de Interesse Social do Recife de 2018, sendo o último plano do tipo feito no Recife até então. No âmbito estadual, Pernambuco tem um déficit de mais de 320 mil moradias, segundo uma pesquisa feita em 2019 pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias e Construtoras (ABRAINC).

Interior da casa da Dona Vera – Foto: Álvaro Torres
Interior da casa da Dona Vera – Foto: Álvaro Torres

A única política habitacional do Recife existente chama-se Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental do Recife (ProMorar). Um dos principais projetos do programa é reurbanizar a área central da cidade e levar às comunidades acesso a uma infraestrutura básica de cidadania, com ruas e passeios calçados, equipamentos de interesse social, áreas verdes, esgotamento sanitário e drenagem urbana, entre outros benefícios que proporcionem a toda a população mais dignidade, conforto e qualidade de vida, de acordo com a Prefeitura. Apesar disso, essa política ainda se mostra insuficiente para os moradores do Pilar que, como no caso de dona Vera, precisam urgentemente de uma moradia em seu nome para que possam desfrutar do direito a um lar digno e seguro, sem riscos de viver na rua numa cidade onde o número de moradores de rua (principalmente no Centro e na Zona Sul do Recife) é alarmante.