Antagonistas desde sua criação, a rivalidade entre a esquerda e direita ganhou novos contornos quando as figuras de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro passaram a rivalizar entre si e dividir os brasileiros em dois grandes grupos.
O que acontece quando duas das maiores figuras do universo de super-heróis têm opiniões completamente opostas sobre a interferência do governo? A resposta é bem clara, uma Guerra Civil. Foi sob essa ótica que a Marvel Comics lançou no começo dos anos 2000 uma série de histórias em quadrinhos intitulada “Guerra Civil”. A trama é focada na Lei de Registro de Super-Humanos. Imposta pelo governo norte-americano, a nova legislação obrigava que todos os heróis expusessem suas identidades e fossem supervisionados pelo Estado.
Como consequência, os super-heróis são divididos entre aqueles que apoiam a Lei, encabeçados pelo Homem de Ferro, e os que não defendem, liderados pelo Capitão América. Por mais que isso não esteja nas páginas das revistas, essa discussão sobre a interferência do governo na vida das pessoas é um dos pontos de discussão entre esquerda e direita, as duas principais correntes de pensamento político presentes na sociedade.
Essas duas correntes têm suas origens no século XVIII, na Revolução Francesa. A direita é conservadora do ponto de vista social e liberal quando se trata de economia. Já a esquerda é o completo oposto, tendo uma postura mais liberal em questões sociais e conservadora economicamente. No Brasil, há cerca de seis anos, duas figuras políticas são responsáveis por representar essas ideologias. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) representando a direita e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a esquerda.
O advogado recifense Tarcísio Moura Júnior, 55 anos, é bastante seguro quanto ao seu posicionamento político. “Sou de direita porque defendo valores e princípios que considero inegociáveis, como o direito à vida desde a concepção, o direito de propriedade, o direito à legítima defesa armada, entre outros”, argumentou o conservador. Também natural do Recife, o aposentado Gil Albuquerque, 67 anos, segue opinião política oposta. “Eu sou de esquerda porque acredito na defesa das causas sociais, repudio qualquer tipo de repressão vinda de setores autoritários da sociedade como os militares e acredito que cada brasileiro deve viver bem independente se for de uma classe mais baixa ou mais alta”, afirmou Gil.


Embora Tarcísio e Gil representem os dois principais espectros políticos do Brasil, o conceito de esquerda e direita não é tão simples quanto parece. Por terem se originado cerca de três séculos atrás, essas ideologias sofreram modificações. Assim, ambas as denominações se ramificaram tanto para um lado mais extremo quanto mais liberal. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Observatório de Notícias do portal UOL, no ano de 2018, os partidos políticos existentes no país foram alocados em seis correntes ideológicas. Extrema-esquerda, esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita e extrema-direita.
Mesmo existindo essas divisões, Bolsonaro e Lula ainda detêm a preferência do eleitorado brasileiro. Para Tarcísio que votou no ex-presidente nas eleições de 2018 e 2022, os valores defendidos por Bolsonaro foram assenciais para sua tomada de decisão. “O que me levou a apoiar Bolsonaro foi o fato de que ele defende muitos dos valores e princípios que eu defendo e acredito. Ele foi o único que mais se aproximou da defesa desses princípios. Vale lembrar que no seu discurso de vitória (em 2018), ele colocou em cima da mesa livros de alguns autores que refletiam algumas dessas idéias, tais como Winston Churchill (1874-1965) e Olavo de Carvalho (1947-2022).” Gil descarta qualquer possibilidade de apoiar Bolsonaro, e relembra seu passado para explicar seu apoio a Lula: “Eu tenho quase 70 anos, eu vivi intensamente todo o período da Ditadura Militar (1964-1985). Fui de movimento estudantil, estava nas ruas pedindo por eleições diretas, vi de perto toda a repressão que aquele governo tinha com o povo. Não tem como eu defender um sujeito (Bolsonaro) que passa pano para essa gente. Fico do lado de Lula porque desde aquela época ele estava do lado do povo”.
ELEIÇÕES MUNICIPAIS
No mês de outubro de 2024 ocorreu a eleição municipal na cidade do Recife. O PT, partido do Presidente Lula, escolheu não colocar nenhum candidato concorrendo à Prefeitura e declarar apoio à reeleição do prefeito João Campos (PSB). Para Gil ele não se importa em votar num candidato que não seja necessariamente do PT e que isso não significa desunião da esquerda em Pernambuco: “Claro que votar no PT seria melhor, mas o PSB sempre teve uma relação próxima com o PT desde a época de (Miguel) Arraes. Esse menino, João (Campos, atual prefeito), tá fazendo um trabalho muito bom na cidade. Ele está conseguindo juntar a esquerda do estado, com exceção de alguns partidos.” Diferente do PT, o PL, partido de Bolsonaro, colocou Gilson Machado como candidato para disputar a eleição na cidade. Mesmo tendo os deputados estaduais e federais mais votados em 2022, Tarcísio faz uma avaliação crítica da direita em Pernambuco: “Acredito que a direita em Pernambuco, como opção política, está muito sem orientação. Muitas pessoas que defendem valores conservadores acabam votando num candidato do partido socialista, porque não são coerentes com as próprias idéias, por simpatias/antipatias pessoais e até mesmo por comodismo”.
Com a polarização política aflorada no Brasil, a mídia também se torna personagem principal desse contexto, sendo acusada de manipular os fatos para favorecer determinado candidato. Algo que se tornou um discurso recorrente de pessoas de direita como Tarcísio: “É evidente que a grande mídia tem um viés, ela não faz muita questão de escondê-lo, apesar de não dizer abertamente por questões de estratégia. Para qualquer observador mais atento é notório que ela (grande mídia) é esquerdista. A massa não entende isso com total clareza, mas como o povo brasileiro é muito intuitivo, ele acaba percebendo isso nas entrelinhas.” Por mais que esse seja um discurso de direita, Gil não tem uma opinião muito diferente de Tarcísio quanto a influencia da mídia no cenário político: “Hoje não, mas a mídia já prejudicou muito Lula e a esquerda em geral. O melhor exemplo foi a eleição de 1989. Quando Lula foi para o 2º turno contra (Fernando) Collor, a mídia colocou Lula como uma pessoa desqualificada, suja, agressiva e fez de Collor um exemplo de ser humano. Então a mídia quando quer, influencia sim.”
Mesmo existindo políticos populares em outros cantos do espectro como Guilherme Boulos (PSOL), João Campos (PSB), Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Ronaldo Caiado (União Brasil), Lula e Bolsonaro ainda são as principais figuras políticas do Brasil e responsáveis por ditar os rumos dos eleitores dos respectivos espectros. “Não tenho dúvida que Lula ainda é o principal nome da esquerda do nosso país. E vai ser até o fim da vida. Nunca existiu no Brasil um político de esquerda como Lula”, afirma Gil. Para Tarcísio, Bolsonaro ainda é também o principal nome da direita no Brasil. Mesmo discordando de algumas atitudes que o ex-presidente tem tomado e de políticos aos quais ele vem se aliando recentemente.