Dos 20 aos 60 – sem idade para ser Fã 

De ‘Perdidos no Espaço’ ao KPOP, descubra como a devoção dos fãs molda a cultura pop e impulsiona fenômenos sociais e políticos. 

“Pois meus olhos vidram ao te ver: são dois fãs, um par”, escreveu Nando Reis na música Luz dos Olhos, interpretada por Cássia Eller. Ainda que a canção faça uma referência amorosa, podemos comparar esse verso com a euforia daqueles que projetam seus anseios em algo ou alguém: os fãs. Porém, você sabe o que é um fandom? 

De forma simples, fandoms são grupos de pessoas que se unem em torno de uma figura pública, de um time ou de uma produção artística seja filme, livro ou música. Esses fãs, ao se identificarem com o indivíduo ou obra, passam a compartilhar interesses e comportamentos comuns, criando uma conexão baseada em sua admiração em conjunto. 

Essas comunidades têm se destacado de forma significativa em diversos segmentos da indústria do entretenimento. O fenômeno vai além do consumo passivo e envolve os fãs ativamente na promoção e apoio de seus ídolos, muitas vezes influenciando diretamente o sucesso de produtos culturais. 

De acordo com um relatório divulgado pelo Youtube em setembro de 2024 dentro da plataforma “Think with Google”, 84% dos brasileiros entre 14 e 44 anos se descrevem como admiradores de uma pessoa ou produção artística. Destes, 43%, ou seja, pouco mais da metade, são representantes da geração Z, que vem reinventando o engajamento de fãs nas redes sociais. 

A VIDA EM UM FÃ CLUBE 

A estudante de psicologia, Ana Luiza Tavares, de 21 anos, mantém uma página no Instagram em que ela atualiza a vida e a carreira de atos asiáticos do KPOP, o pop coreano. A paixão começou ainda na escola, incentivada por uma amiga.  

“Eu me tornei fã através de uma amiga da escola. Já havia escutado antes, mas nunca parei para acompanhar realmente. Ela assistia algumas coisas e eu fiquei curiosa sobre o assunto, fui acompanhando, o que nos tornou mais próximas e eu acabei entrando para esses fandoms”, afirma. 

Ana faz parte de organizações de eventos em Recife para o grupo Stray Kids. Nesses encontros, os fãs cantam e dançam as músicas, se vestem com os figurinos e promovem campanhas de engajamento.  

Estas variam do “listening party”, forma moderna de colocar os artistas nos topos das paradas de sucesso como Billboard, antes feita pela compra de discos e CDs, até o envolvimento em questões políticas. Durante as eleições de 2022, por exemplo, as fãs do BTS, autointituladas de armys – exército em tradução literal – incentivaram os jovens entre 16 e 18 anos a tirarem o título de eleitor pela hashtag #TiraOTítuloArmy. 

“Acho que a minha maior loucura como fã foi ter faltado aula para assistir um programa de sobrevivência – reality show – que iria lançar no horário em que eu tinha aula do colégio. Atualmente eu assisto lives, participo de stream escutando as músicas quando eu acordo, na academia, fazendo minhas atividades cotidianas, mas tudo dentro das minhas possibilidades por conta da faculdade”.  

CULTURA DO FANDOM 

Pesquisadora da cultura de fãs da Universidade Federal de Pernambuco, a jornalista Cecília Almeida tenta explicar o que leva pessoas a ter uma admiração e paixão tão forte a ponto de abdicar de suas vidas, vivendo em função de outra.  

“A relação de um fã com seu ídolo é muito complexa. Tem autores que vão buscar na psicologia ou psicanalítica o fandom como substituto de afetos primários relacionados a forma como a gente se relaciona com nossos pais e na reprodução de estruturas sociais se apoiando na teoria do sociólogo Pierre Bourdieu. Mas, de modo geral a gente pode dizer que a relação de um fã com seu objeto parte dessa identificação afetiva muito forte, intensa que se constrói ao longo do tempo”. 

Fã de novelas, Almeida iniciou sua trajetória como pesquisadora estudando o gênero por meio do Obitel Brasil, a Rede Brasileira de Pesquisadores em Ficção Televisiva, desenvolvendo projetos de análise transmídia.  

“Sou fã de muitas coisas, mas vôlei e novela como gênero talvez sejam meus fandoms mais marcantes na atualidade. Lá no Obitel a gente desenvolvia pesquisa sobre transmídia e em meio a isso surge como os fãs circulam. Eles foram aparecendo como figuras muito importantes quando fui para o meu doutorado em telenovelas no ambiente digital. Os fãs são muitos cobiçados pelas emissoras e produtoras de conteúdo por serem agentes mais próximos de conteúdo, potencializando essas estratégias midiáticas”, pontua. 

Pesquisas sobre fandoms ainda enfrentam grande resistência dentro das academias, sendo muitas vezes vistas como superficiais ou irrelevantes. No entanto, como argumenta Cecília: “essa pesquisa ainda é muito estigmatizada dentro das academias. Ainda existe um julgamento como se fosse irrelevante estudar fãs ou cultura pop e isso está ligado ao machismo, homofobia, LGBTfobia já que esses grupos aproximam minorias. Mas, a pesquisa pode entender fenômenos sociais amplos como também dimensões políticas quando a gente entende os grupos de fãs e suas articulações sociais a determinadas causas”. 

ATRAVESSANDO DÉCADAS 

O conceito de fandoms não é novo. No Brasil, essa força pôde ser sentida nos anos 2000 com a chegada do RBD, e se formos mais longe, a ideia remonta à Beatlemania nos anos 1960, quando o fanatismo em torno dos Beatles tomou o mundo.  

Zelandia Souza, de 60 anos, servidora do Poder Judiciário de Pernambuco, desde criança é fã da série “Lost In Space – Perdidos no Espaço”, original de 1965.  

“Sou fã mesmo, coleciono tudo. Comecei a ver a série enquanto criança quando a TV ainda era preta e branca. Tinha um robô chamado B9 e logo me apaixonei. É uma série de ficção científica, mas tem sempre uma mensagem sobre o que é certo, correto, bons exemplos”. 

Muito antes do celular e das mensagens, ela conseguiu trocar cartas com o elenco do programa. 

Muito antes do celular e das mensagens, ela conseguiu trocar cartas com o elenco do programa. “Meu contato começou com o ator Jonathan Harris, que fazia o Dr. Smith, meu personagem preferido. Consegui o endereço dele por meio de um amigo jornalista. Escrevi para Jonathan e ele me respondeu. Foi incrível, me mandou foto, autógrafo. Isso foi em 1996 e ele faleceu em 2002 e durante esses anos mantivemos contato, com ele sempre respondendo de forma gentil, educada, prestativa. Tenho dezenas de cartas do Jonathan”, diz.

Já na era da internet, Zelandia enviou mensagens para os atores Billy Mumy e Marten Kristen, intérpretes de Will e Judy Robinson. 

“Consegui contato através do Facebook e eles passaram a me responder e não era falso porque eles estavam aliados ao próprio fã clube da série. Quando era época de aniversário e Natal, eles me mandavam mensagem. Dois atores fantásticos, eu perguntava coisas do programa e sempre respondiam prontamente”. 

Assim como toda fã, ela parece não ter curtido muito as novas versões em filme e série feitas recentemente de Perdidos no Espaço.  

“O filme de 1998 teve um roteiro muito fraco em comparação a série. Tinham muitos problemas familiares que a série não tinha, onde a família era muito unida. Muitos fãs não gostaram, assim como eu. A única coisa boa foi a participação dos atores originais. A série da Netflix de 2018 teve um enredo fantástico e achei boa a mudança de gênero que fizeram no Dr. Smith, que passou a ser uma mulher pois ninguém teria como interpretar o personagem original assim como Jonathan Harris”.    

+ LEIA MAIS