Escolha uma Página

Politizaram minhas cores, e agora? As tentativas de ressignificar a “camisa do Brasil”

Cultura

Texto por Ernani Tavares

Camisa verde e calça branca… não, saia branca, camisa amarela… não adianta, você já deve ter feito várias combinações de roupa para assistir aos jogos da copa 2022, mas nada tira da sua cabeça que as cores do Brasil estão impregnadas por campanha política. Antes, unicamente associada às riquezas do país – como o verde das florestas e o amarelo do ouro -, agora as cores são interpretadas também como símbolo bolsonarista. Isso porque desde o começo de sua campanha, Jair Bolsonaro (PL), se apropriou da paleta verde-amarela na justificativa de simbolizar o patriotismo. O que tem modificado a forma como muitos brasileiros estão se vestindo para torcer no evento esportivo mais importante do mundo.

De acordo com uma pesquisa do instituto Travessia, divulgada em 17 de novembro pela Metropoles, 26% da população do país não iria usar a camisa amarela para torcer. Isso se justifica quando é analisada as passeatas a favor do representante do PL, onde esta é a cor que predomina nas vestimentas dos apoiadores. Apesar de uma pequena parcela ainda usar o verde, azul e branco, claro. 

Acontece que para especialistas “O uso de símbolos nacionais por um único ou específico grupo seja qual for sua linha política, ideológica ou comportamental não é legítimo. É uma usurpação de símbolos e significados. Provoca disjunções, diferenças, separações, como norteia a semiótica discursiva, pois advoga apenas para esse grupo o “direito” de exibir um sentimento “patriótico”, o sentimento de pertencimento.” como afirmou a doutora em semiótica da comunicação e professora, Aline Grego. 

Mas apesar do estranhamento causado pela associação política, ainda há quem não apoia os ideais extremistas da direita e usa a camisa da seleção sem remorso. “Eu sinto repulsa, pois eleitores de um candidato que eu não apoio se apropriaram da camisa da seleção. Mas a partir da vitória do PT, comprei minha camisa amarela, pois ela possui uma história que vai muito além de qualquer candidato. Agora estou focado nesse hexa!” disse Kevin Paes, editor jornalístico. Apesar da força de vontade atual, Paes ainda afirmou que no momento eleitoral, para driblar as associações indevidas, e também por apreciar a estética, ele preferia utilizar a camisa da seleção na cor azul. 

Encorajamento com recepção tímida

Algumas pessoas que são contra o bolsonarismo também seguiram o mesmo pensamento de Kevin Paes ao comprar a famosa “amarelinha”, e ainda mais após esse ato ter sido recomendado pelo próprio representante do PT, Lula. Durante e após o período eleitoral, o presidente eleito fez alguns discursos reforçando a importância de não ter vergonha de usar as cores do Brasil. “Verde e amarelo não é de candidato, não é de partido. São as cores para 213 milhões de habitantes que amam esse país. Portanto, vocês vão me ver com a camisa verde e amarela só que a minha vai ter o número 13.” Disse Lula, se referindo à copa, em uma reunião com líderes de partidos políticos no dia 10 de novembro. O movimento, no entanto, não alavancou grandes feitos, mas diminuiu a tensão ligada ao uniforme. 

Novos elementos e novos significados 

Muito antes do atual presidente eleito, os designers e estilistas da Nike, empresa responsável pelo uniforme oficial da seleção brasileira, já trabalhavam para tentar arrancar o viés político imposto na camisa. Não é atoa que pela primeira vez na história foi usada a técnica do animal print na construção do uniforme. O método é conhecido mundialmente quando a pele de animais como onça, zebra e jacaré são usadas de inspiração para uma roupa. Nesse caso o escolhido da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para  representar o Brasil no amplo comércio foi a oncinha. Segundo a CBF, essa estampa que sai das mangas representa a garra e beleza do animal, como homenagem a um povo que nunca desiste. 

“Paixão” antiga que está perto de acabar

Mas se mesmo com as novas percepções você ainda está receoso de usar a camisa e as cores do Brasil, saiba que essa associação com o teor político pode estar prestes a acabar. Mas antes, é necessário entender que isto faz parte de um ciclo histórico que está mais uma vez se repetindo. O patriotismo fanático e a apropriação de símbolos nacionais para se encaixar em um partido político são elementos usados em governos autoritários e movimentos antidemocráticos. No Brasil, por exemplo, essa mesma ideia foi muito difundida nos anos de ditadura militar (1964-1985). E mais recentemente foi usado como símbolo da campanha para tirar a presidente eleita consecutivamente, Dilma Rousseff, do seu cargo, o que deu força aos “patriotismo bolsonarista” atual. Mas segundo a doutora em semiótica Aline Grego, não é algo que devemos nos preocupar por muito mais tempo. “A tendência é que esse viés político vá desaparecendo em consequência da copa do mundo. Até o final do semestre que vem, no máximo, isso já vai ter se diluído bastante. E isso não representa que vai haver menos patriotismo, mas que agora os símbolos oficiais nacionais vão ser utilizados onde e quando de fato devem ser usados”.  

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *