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“Ruído” ou só barulho?

Tecnologia

Texto por Antônio Gois

Nós precisamos relaxar. Isso não é um questionamento, é um fato. O nosso nível de estresse, tristeza e pressão que sentimos todos os dias vem nos deixando cada vez mais com  dificuldade de relaxar e nos concentrar nas tarefas que temos que fazer.

Infelizmente, burnout (distúrbio emocional ligado a exaustão extrema, cansaço e esgotamento por causa do trabalho), depressão e ansiedade se transformaram em palavras familiares para os jovens brasileiros, principalmente os que trabalham ou estudam, e especialmente os que fazem os dois.

Um estudo realizado em 2018 pela International Stress Management (ISMA) classificou o trabalhador brasileiro como o segundo mais estressado do mundo. Segundo o instituto, 72% dos empregados brasileiros sofrem de estresse e 32% de síndrome de burnout.

A pandemia piorou todo esse cenário, o sentimento de incerteza, luto pelas vítimas e o medo de perder o emprego fizeram tais números estourarem. 

Pesquisas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) mostram que, em 2020, os casos de depressão aumentaram em 90% no Brasil. Além disso, o número de pessoas que relataram ter sintomas como crise de ansiedade e estresse mais que dobrou entre os meses de março e abril daquele ano.

Todo esse desgaste mental acaba atrapalhando nossa capacidade de foco e qualidade de sono, o que resulta na perda da qualidade de vida.

Além disso, a falta de saúde mental pode piorar os sintomas de problemas como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), doença que afeta cerca de dois milhões de pessoas no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. Mas… calma! Temos a solução. Certos vídeos na internet prometem ajudar na concentração, trazer um sono melhor nas nossas noites e até mesmo melhorar os sintomas do TDAH.

Vídeo de “white noise” com milhões de visualizações – (Foto: Reprodução/Youtube)

Os “noises” (ou “ruídos” no bom português) viralizaram durante a pandemia, ganhando várias cores — o mais famoso é o branco, mas tem o rosa, marrom, verde, cinza — fazendo sucesso até hoje e conquistando um público bem alto.

NOISES

Eles são vídeos de sons em loop emitindo um barulho em uma frequência específica, que prometem nos acalmar e ajudar no foco e no sono. Para entender direitinho o que é a frequência de um som, o princípio básico destes vídeos, conversamos com o técnico de som Marcos André.

“A frequência sonora está relacionada à quantidade de ciclos que ele emite durante a onda de som. O ouvido humano é capaz de captar entre 20Hz e 20.000 Hz. Hertz (Hz) é a única medida da frequência de um som e a partir dela podemos identificá-lo ou direcioná-lo entre grave ou agudo”, explicou Marcos.

O nosso maior exemplo é o “white noise”, ou apenas “ruído branco”.

Pode causar estranhamento à primeira vista, mas sim: o white noise é exatamente o barulho de uma televisão com um canal fora do ar ou não sintonizada em nenhum canal.

 

Televisão sem sinal (Foto: Pexels)

Também parecido com o barulho da chuva, o white noise éa mistura de todas as frequências que os humanos conseguem ouvir — entre 20 Hz e 20.000 Hz, como adiantado por nosso entrevistado — todas elas tocando ao mesmo tempo.

Os outros sons, com nomes de outras cores, seguem o mesmo princípio. Do pink noise (ruído rosa) ao brown noise (ruído marrom), queridinhos das redes sociais, todas são variações do white.

Por ironia ou apenas para dar nome ao vídeo, também existe o black noise — o que é teoricamente errado, já que, nas cores, o preto é a ausência de cor, então, se consideramos o ruído branco como base, o ruído preto não deveria ser nada mais do que o mais puro silêncio.

Para um ouvinte desavisado, algumas dessas “frequências coloridas” podem parecer ter o mesmo som. Porém, cada uma delas carrega diferentes tons, o que muda de ouvido em ouvido.

Ao testar alguns desses vídeos, receptores têm diferentes sensações, podendo causar tanto o desejado relaxamento, quanto uma aflição. Essa divergência é citada pela psicóloga Jéssica Silva, que explica que as coisas não são bem assim.

Mulher relaxando tomando um café – (Foto: Pexels)

“É possível sentir algum tipo de relaxamento com esses ruídos, mas deve-se entender que esses instrumentos são relativos”, conta.

Ambos os especialistas concordam que um som pode causar certos efeitos na mente humana. O técnico de som dá outros exemplos de barulhos que podem ajudar a relaxar.

“As ondas do mar, canto dos pássaros ou até mesmo de uma cachoeira. O som é capaz de contextualizar na nossa mente sensações de um lugar ou cenário que nos tranquilize de alguma forma”, explica.

A psicóloga concorda, e vai além: “é possível que um estímulo auditivo, visual ou até sensorial possa trazer um sentimento de tranquilidade”.

AFINAL, ESSES VÍDEOS FUNCIONAM?

Vimos que sim, sons podem causar sensação de tranquilidade em nossa mente, mas como fica a situação dos noises?

“Assim como pessoas relatam sentir relaxamento ouvindo barulho de chuva, músicas instrumentais ou até mesmo meditações guiadas, é possível o relaxamento com os vídeos”, reconhece Jéssica, mas avisa: “Novamente, esses instrumentos são relativos e não há embasamento científico que comprove que ele funciona para todas as pessoas”.

Segundo ela, o efeito sobre sintomas do TDAH é incerto, e se deve ter cuidado com a diferença entre relaxar a mente e suspender os efeitos do transtorno.

“Não tenho como afirmar se é possível ou não uma pessoa com TDAH obter melhoras com a utilização desses elementos. Acredito que, como falei anteriormente, isso pode trazer uma sensação de relaxamento, mas que nada tem a ver com a melhora ou a suspensão dos sintomas do TDAH propriamente dito”, diz.

E finaliza: “Não recomendo o uso desses elementos, mas se o paciente por vontade própria fizer uso e se sentir bem com isso, não iria me opor. Acredito que medidas alternativas são bem-vindas, desde que não tragam malefícios”.

E sim, por questões científicas e de curiosidade, escrevi a matéria escutando um dos “noises”, e confesso: o azul (ou blue, para os mais íntimos) foi o que melhor funcionou comigo.

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