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A inclusão e acessibilidade nos jogos RPG

Cultura

Texto por Micael Morais

Os jogos estão inseridos na vida das pessoas de formas diferentes, seja como uma alternativa para relaxar a mente, uma competição ou simplesmente só para se divertir. Não é à toa, então, que os jogos de Role-playing game, ou simplesmente RPG, bastante populares nas décadas de 80 e 90, estejam agora conquistando um novo público. Seja no seu formato original, com peças de um grande tabuleiro ou no ambiente virtual, onde o contato com os outros personagens seja completamente remoto.

Essa nova geração é formada por grupos mais diversificados de pessoas, que sentem cada vez mais a necessidade de serem representadas nestes ambientes. Mas como um jogo onde a maior habilidade do jogador é usar a imaginação pode não ser inclusivo? Pois bem, não é que a prática do jogo em si tende a excluir, mas os estereótipos e as narrativas dos personagens desses jogos referenciam a branquitude eurocêntrica e excluem pessoas negras, latinas, ou até mesmo estereotipam pessoas com deficiência os tratando como seres místicos ou malignos.

Senta aí que eu vou te explicar um pouquinho mais sobre isso.

Se você já jogou RPG ou conhece, pelo menos, o básico dos jogos, certamente já deve ter percebido que em sua grande maioria os personagens desse mundo imaginário são brancos, magros e, quando personagem principal, sem nenhuma deficiência. Em muitos desses jogos é comum vermos elfos e magos sendo retratados por personagens com algum tipo de deficiência. 

Vou te dar um exemplo mais prático para você entender melhor:

Você já deve ter assistido ou se não, ouvido falar de um desenho muito famoso chamado “A Caverna do Dragão”. Neste anime, o personagem que faz o papel do Mestre dos Magos é um senhor que aparentemente tem nanismo e que, na série é retratado como um ser místico.

O que muita gente não sabe é  que esse desenho de tanto sucesso é inspirado em um jogo de RPG também muito famoso, o Dungeons e Dragons, considerado o primeiro jogo de RPG do mundo.

A estética do jogo passa por um viés eurocêntrico, e até mesmo medieval. Quando os primeiros jogos de RPG surgiram, ainda na década de 1970, pouco se imaginaria que em um mundo tão lúdico pudesse haver questões como racismo e capacitismo. Talvez naquela época, os criadores de Dungeons e Dragons, os americanos Gary Gygax e Dave Arneson, não tivesse em mente esses preconceito escancarado, mas, como bem sabemos, o preconceito, seja ele qual for, está em coisas sutis e muitas vezes até passa despercebido. 

O professor e filósofo Lucas Oliver, que também é mestre em jogos de RPG, conta que mesmo que a maioria dos jogos tenham esse aspecto eurocêntrico, hoje é possível ver outros formatos de jogos sendo construídos por pessoas de diversas partes do mundo e que isso possibilita a diversidade de jogadores.

“Muitos dos jogos que temos hoje, tendem a repetir esse processo de eurocentrismo. Mas em contramão a isso, de alguns anos pra cá tem surgido autores de outras partes do mundo. Aqui no Brasil nós temos autores maravilhosos também”, relatou o professor.

Partindo desse ponto de vista de Oliver, um grupo chamado RPGlatam tem se destacado por proporcionar e evidenciar autores de jogos latinos. O designer e pesquisador de jogos Alexander Carneiro, escreveu um artigo onde descreve o grupo a partir de sua vivência. “Eu conheci o RPGlatam em 2021. Desde então, quase que diariamente nas conversas e nos eventos tento participar o máximo, não só como entusiasta e criador de RPGs. Este grupo virou a temática do meu mestrado e dos artigos que eu venho escrevendo”, contou Alexander. 

Em sua pesquisa publicado no Intercom 2022, o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Alexander aborda o racismo e o colonialismo nas origens dos RPGs. “Enxergar o colonialismo e o racismo em uma obra é uma coisa que nem sempre vem natural pra gente. Você pode por décadas jogar um jogo, ler um gênero literário ou assistir a filmes sem compreender que ali tem várias marcas de colonização e de racismo”, revelou o designer. 

Carneiro diz que nos últimos anos vem surgindo movimentos que caracterizam um avanço no sentido de reduzir a desigualdade e na percepção desses ambientes menos inclusivos. “A gente vem vendo nesses últimos anos uma tentativa mais ou menos efetiva de educar as pessoas a perceberem esses traços colonizadores. Acho que o RPG acaba sendo uma forma de mostrar para as pessoas que existem códigos, existem símbolos, existem sinais ali em certos RPGs, em certas obras que mostram que talvez aquela obra não tenha sido feita pra você, uma pessoa latino-americana, pra você que é de um grupo, uma minoria sub-representada ou de um grupo étnico diferente”, explicou.

Tendo isso em vista, é importante observarmos os ambientes em que estamos para que possamos nos sentir representados. Mas para isso deve haver uma percepção de quem joga e também uma crítica construtiva para que cada vez mais autores e jogos que reforcem as representações sejam populares. “É uma questão de sensibilidade. De você estar sensível a esses sinais e começar a sentir. Quando esses sinais aparecem, você meio que ativa uma antena e diz ‘opa, tem alguma coisa errada aqui’.  E aí você consegue identificar”, concluiu Alexander. 

Quer saber mais sobre a evolução dos jogos de RPG? Clica aqui embaixo!

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